602: Escuridão, Meu Velho Amigo 602: Escuridão, Meu Velho Amigo Tendo preparado o cenário para uma história estelar, Altair mergulhou em sua primeira experiência como contador de histórias, onde Kieran e os outros ouviam com interesse absorto. O frio na sala prenunciava o tema da história e o que os eventos haviam abençoado Altair com.

Altair fez uma pausa após a abertura, olhando em volta para todos os outros, até que finalmente, Bastião bateu na mesa impacientemente.

“P*rra, Altair. Desembucha logo. Já estou comprometido com essa coisa!”

Risadas abafadas encheram a sala, e Altair obedeceu, continuando a história de onde havia parado.

“O garoto era diferente dos demais talvez da maneira mais simples, mas ele te faria saber que foi abandonado desde o nascimento por essa diferença — um defeito ao nascer.”

Altair suspirou, talvez canalizando a emoção daquele garoto sem nome. As sombras se moviam, transmitindo um sentimento de depressão.

“Refiro-me a ele como o menino, pois por toda a vida ele seria sem nome, existindo sem deixar provas de que alguma vez o fez. Seu veredito era uma vida dolorosa, se é que se pode chamar de vida. Alguns acreditavam que ele logo morreria, pois o mundo era frio e implacável demais para uma criança surda caminhar pela terra. Naquela época, não havia métodos para ajudar aqueles que nasciam com defeitos, e eles eram vistos como inaptos em relação ao Caminho da Ascensão.”

Ezra franziu o cenho enquanto ouvia o início da história. Involuntariamente, ela esfregou o ombro e ficou tensa, aparentando um pouco desconfortável com o tratamento suposto ao menino.

E Altair, ele continuou.

As sombras retratavam o que ele falava.

“Defeitos eram vistos como uma fraqueza na Era Antiga; talvez isso tenha mudado agora, mas sabemos muito pouco. Durante sua juventude, ele foi escondido, e a escuridão tornou-se sua amiga nessa câmara sem luz. Eventualmente, seus olhos doeriam, irrompendo com uma dor excruciante sempre que ele olhasse para a luz. Uma tortura sublime que o fez questionar tudo: Por quê? Por que ele tinha que nascer? Por que ele tinha que ser escondido? Por que ele não podia andar na luz? Perguntas existenciais que moldaram sua mente.”

“Uau… ele era um bastardo que uma família real se envergonhava?” Nemean questionou, mordendo um pedaço de fruta suculenta. Sabores jorravam em sua boca, e ele sorvia vorazmente enquanto igualmente cativado pela história.

“Nada disso. O menino era comum, nascido de dois plebeus, alguns diriam até mendigos. Acreditava-se que a criança seria o bilhete deles para sair da escuridão, mas a Terra da Promessa geralmente entregava promessas vazias.”

Todos se lembravam da Terra da Promessa; dizia-se ser a Terra mais robusta em Xenith, lar dos quartéis-generais de muitas organizações ilustres, como o Conselho da Divindade da Guerra. Seu outro nome era Enira, e eles repudiavam os fracos.

As promessas entre os fortes, talentosos ou valiosos eram as únicas honradas.

“Nascido de tolos, a criança também se tornou um tolo, acreditando nas palavras daqueles que operam das sombras, venerando a escuridão — a Ordem da Umbra Antiga. Como você pode confiar em pessoas que idolatram coisas escuras? Seus ritos macabros eram desumanos. Ninguém deveria suportar aquela dor — a dor de ter seus olhos queimados e selados com pedras escuras fundidas.”

Todos se contorceram após ouvir o que Altair suportou durante sua Avançando, mas a reação de Kieran foi diferente da dos outros. Seu olhar se aprofundou, e sua presença se intensificou.

Ele suspeitava que a Ordem da Guerra e Chama não poderia ser a única Ordem presente durante o tempo do Julgamento. Se a Ordem da Guerra e Chama tinha ligações com um Demônio, a Ordem da Umbra Antiga era onde a Fonte do Dançarino das Sombras era cultivada.

Contudo… qual era a forma adequada de um Dançarino das Sombras?

Enquanto isso, Altair continuou sua história, enquanto sua sombra adicionava uma substância inequívoca às suas palavras.

“A criança foi oferecida à Ordem depois de lhe prometerem a cura. Esse seria o último dia em que ele veria seus pais, e esse seria o último dia deles na terra, pois a Ordem da Umbra Antiga opera a partir do absoluto sigilo. Aqueles que espiam os portões e não se juntam devem ser para sempre silenciados — mortos, se você não entendeu minha insinuação. Eles fazem parte do negativo não visto, esgueirando-se pelas terras fora da percepção de muitas pessoas. Usando a Noite para vagar livremente.”

Kieran assentiu.

Foi provavelmente ali que a habilidade de Altair de atravessar a Noite nasceu — anos sendo treinado, torturado e moldado por aquela Ordem antiga.

“O ritual de iniciação é chamado de Escurecimento, onde seu mundo se torna para sempre negro, e seus olhos nunca mais abrirão. Você emerge um Sem Visão, privado da visão física, na esperança de despertar a Visão Noturna ou os Olhos da Escuridão, usando as sombras para espiar o mundo da Noite Iminente.”

Kieran viu paralelos no relato de Altair.

Enquanto ele havia sido um dos Mudos, incapaz de falar das crueldades da Chama, Altair tornou-se um Sem Visão, privado de dois sentidos, visão e audição. A desorientação que ele deve ter sentido não era nada menos do que atordoante.

“Ascender nas fileiras da Ordem era complexo, e a taxa de mortalidade era absurda. A morte era quase garantida. Se não pelas tarefas árduas que se é obrigado a completar, por pares dementes que querem reduzir a concorrência.

Altair inclinou-se para a frente, sua expressão escurecida pelas sombras que se moviam fluidamente sobre seus traços faciais. Era uma visão sinistra e fascinante de se contemplar.

“Mas o garoto era mais estranho que a maioria. Incapaz de ver ou ouvir, ele era talvez o mais digno de pena e, portanto, o mais visado e deixado para morrer. Seu mundo era escuridão, e seu mundo se tornou seu único amigo. Seus pais o haviam escondido do mundo, mantendo-o num lugar escuro antes de empurrá-lo para um lugar ainda mais sombrio. A escuridão se tornou sua amiga e, quando ele falava… de alguma forma, começava a responder.”

A presença espectral que persistia na sombra de Altair.

Kieran havia pensado ser uma habilidade desperta, mas talvez fosse algo único para o garoto que Altair encenava. Aquela presença era provavelmente um fruto da imaginação do garoto, criado para combater as debilidades incapacitantes que possuía.

Uma utilização engenhosa da infortúnio. Transformando má sorte, adversidade e aflição em uma fonte de poder.

Isso exigiu uma quantidade absurda de força de vontade para realizar tal façanha, mas também requeria uma mente quebrada para ser remendada enquanto se adaptava àquele amigo imaginário.

“A escuridão se tornou seus olhos e ouvidos, muito melhor do que os originais jamais poderiam ter sido. Ele treinou nas artes da letalidade, sombra e silêncio. A cada dia se tornava mais mortal, mais frio… e satisfeito com seu único amigo, estava livre para ver todos os outros como inimigos.”

Nemean e Bastião se abraçavam nesse ponto, tremendo com o frio invasor da aura de Altair. Era de arrepiar os ossos, penetrando sem esforço seus ossos e órgãos, mas Altair não estava a utilizando como arma, portanto, não causava dano.

Ezra esfregava os braços, tentando se aquecer, e Alice… ela estava impassível e silenciosa, mas seu pé batia embaixo da mesa.

“Quando você é treinado para maximizar a escuridão interna, fundi-la com a escuridão externa e aprimorar sua habilidade de assassinar sem qualquer precursor de sua intenção… matar se torna fácil. Os pensamentos que entram em sua mente se tornam terríveis e desalmados, e a Grande Umbra começa a dominar, escurecendo tudo o que é muito suave.”

Kieran arqueou a sobrancelha em questionamento. “A Grande Umbra, é essa sua Fonte?”

Altair assentiu. “A Umbra Antiga, a maior criatura das trevas que já nasceu. Dizem que um pedaço dela reside em cada sombra e que sifona poder dessas coisas desatentas.”

“A história termina com o garoto superando as expectativas, sobrevivendo à Fenda Noturna e entrando no Templo dos Imortais para se tornar um Viajante Noturno. Eu não sei mais de sua história porque nesse ponto…”

Kieran e Altair se olharam, e Kieran respondeu por ele.

“Você veio até mim, e os eventos do Julgamento se desviaram do que realmente aconteceu.”