601: Preparando o Cenário 601: Preparando o Cenário O grupo liderado por Kieran chamava atenção e tornou-se o tema de conversa enquanto passeavam pela Cidade de Aeredale, mas ele não se importava com os comentários sussurrados.

Ver quase todos os membros originais de sua equipe viajar juntos era algo que certamente atrairia olhares. Cabia a ele e aos outros permanecer calmos diante de tal admiração e fofoca.

Para evitar vazar detalhes confidenciais de suas experiências ao público, a maior parte de sua jornada aconteceu em silêncio.

Enquanto isso, Kieran pensava em maneiras de treinar a Carnificina do Demônio. Simplesmente usá-la em combate contribuiria para um aumento acentuado na eficácia, mas Kieran queria mais.

Ele desejava o caminho do domínio e queria percorrê-lo. Algo lhe dizia que ter um domínio precoce — mesmo que incompleto aos olhos de um verdadeiro Mestre — estava alinhado com os princípios do Despertar. O Julgamento lançou luz sobre o assunto, mas evitou entrar em grandes detalhes.

Não era sua tarefa moldar seu Despertar, mas sim avaliar o quanto seu caráter havia sido preparado.

Logo, chegaram ao Bazar Mão de Deus, e a multidão diante de suas ilustres portas ornamentadas deu espaço. Depois de lhes dar uma larga passagem para andar dois ou três lado a lado, a multidão respondeu em murmúrios, e Kieran lhes lançou olhares de aprovação e acenos.

Então, Kieran chamou Milana depois de entrar.

A funcionária executiva encarregada de supervisionar a maioria das transações e discussões ocorridas no primeiro e segundo andares respondeu prontamente, apressando-se até ele.

Ela fez uma reverência educada, ajeitou os óculos e colocou uma expressão atenta, “Sim, senhor?”

Kieran riu ao notar seus ombros tensos, percebendo os sinais nervosos ocorrendo de uma só vez. Embora experiente, estava claro que ela tinha alguma dificuldade em ficar diante da versão Adepto de Kieran.

‘Aprender a controlar este olhar deveria ser priorizado na minha lista de prioridades.’
Embora os Mitos Antigos aparentemente não fossem afetados por seu olhar, o que era compreensível dada a vastidão de suas habilidades, outros não eram tão afortunados. Quanto mais fraco alguém fosse, mais intenso era o efeito que ele tinha sobre ela.

“Fique à vontade. Não estou aqui para criticar seu desempenho. Vim pedir se você poderia nos buscar alguns refrescos? Comida e bebida?”

Lojas como essa normalmente não tinham acesso a refrescos ou comida, mas Milana enfatizou a importância de cortesias e visava um ambiente amigável onde um acordo pudesse ser negociado em um espaço sereno e relaxante.

Assim, o Bazar Mão de Deus destinava uma parte de seus fundos para contratar Chefes. Não apenas para os clientes externos, mas também para sua equipe de produção.

Garantir que os Ferreiros, Alquimistas, Encantadores, Alfaiates e todos os outros estivessem bem alimentados e confortáveis era uma prioridade.

“Eles estarão com você em breve, senhor”, Milana respondeu. Ela olhou ao redor entre Altair e os outros, dando-lhes breves sorrisos antes de se concentrar em Kieran novamente. “Onde devo mandar levar?”

“O último andar será suficiente”, respondeu Kieran.

Momentos depois, ele rumava em direção à escada, e todos o seguiram. Enquanto contornava o ombro sinuoso da escada, Kieran viu Bastião acenando algo para Milana, talvez fazendo gestos para trazer bebidas extras.

Com seus corpos Adepto, subir os lances de escada era sem esforço, chegando ao topo em segundos. Teria sido mais rápido se não fosse pelo design das escadas. Sua natureza sinuosa não permitia subir às pressas sem bater no corrimão.

Ao entrarem na grande sala de conferências no andar mais alto, todos se sentaram, incluindo Kieran, que puxou sua cadeira de trás de sua mesa grandiosa.

Logo depois que sentaram e se olharam, bandejas de prata com comida e bebidas foram entregues à sala de conferências. Uma olhada revelou que a comida era feita na hora, consistindo em carnes assadas, amidos e vegetais que enchiam o ar com aromas saborosos. As bebidas eram simples: suco de frutas de Xenith ou água.

O clima estava descontraído, e todos alcançaram sua parte da comida e refrescos enquanto Kieran relaxava em sua cadeira, olhando para Altair.

O jovem magro respondeu ao olhar, franzindo a testa em determinado ponto.

“Eu conheço esse olhar… você quer que eu comece, não é?”

Kieran sorriu. “Não nos concederia o prazer?”

Bastião se empanturrava de carnes assadas, com óleos apimentados escorrendo pela boca enquanto expressava seu assentimento. Todos inconscientemente se distanciaram quando pedaços de comida voavam de sua boca.

“Sim, subchefe. Comece a contar uma história daquelas. Quero saber tudo sobre seu Avanço.”

Alice franziu a testa e bateu no ombro de Bastião. “Feche a boca quando estiver comendo, deuses! Você já voltou aos seus modos grosseiros.”

Bastião corou, uma sombra de constrangimento colorindo suas feições. Havia tanto tempo que Alice o repreendera que ele esqueceu que ela priorizava a etiqueta.

Altair suspirou e balançou a cabeça.

“Com uma condição.”

Kieran ergueu uma sobrancelha, sugerindo que Altair falasse a condição.

O olhar de Altair varreu a sala. “Todos que são Adeptos e enfrentaram um Avanço fora do comum com experiências únicas devem compartilhar as suas também.”

Não era um pedido impossível.

Kieran nunca quis se intrometer nos acontecimentos de seus companheiros de equipe, mas aprender mais sobre suas experiências poderia ajudá-lo a criar um regime personalizado para cada um deles. Quanto mais pensava nisso, mais Kieran se sentia inclinado a concordar, mas não podia decidir sozinho.

Ele olhou para Ezra primeiro.

“Você está aberto a isso?”

Ezra assentiu silenciosamente, e Kieran continuou. Antes que Kieran pudesse perguntar ao outro detentor de uma Classe Lendária — Bastião — ele bradou através da mesa.

“Eu topo! Adoro a hora da história. Me lembra da minha avó lendo histórias na minha infância.”

Além desses quatro, Kieran não tinha certeza se os outros haviam suportado um Avanço com significado considerável. Se suas suspeitas estivessem corretas, então a profundidade de um Avanço era determinada pela Classe. Quanto mais baixa a patente, menos intensa a dificuldade.

Nessa mesma veia, as recompensas tinham que ser igualmente desanimadoras.

Recuperando-se, Altair se ajeitou na cadeira, entrelaçou os dedos e soltou um suspiro enquanto olhava ao redor de forma hesitante. “Preparem-se… vocês vão ter uma experiência. Uma experiência sombria.”

“Oooooh, assustadooor,” provocou Nemean, inclinando-se para mostrar seu crescente interesse.

Altair sorriu, seus olhos prateados profundos mais escuros e ameaçadores do que o normal. Eles brilharam na escuridão, algo dominador e controlador se formando até prender a atenção de todos.

‘Oh? Desde quando Altair se tornou um contador de histórias tão animado?’
Kieran podia sentir o que Altair estava fazendo, pois seus sentidos estavam mais aguçados do que costumavam ser, graças ao seu Tipo, Títulos e uma série de outras vantagens.

Altair estava habilmente preparando o cenário por meio de suas habilidades adquiridas. Se ele ia contar a história, faria isso de modo apropriado para que eles experimentassem a emoção em cada palavra.

Lentamente, uma maré de sombras profundas e tenebrosas derramava-se de seu corpo, expandindo-se para tomar conta de toda a sala e envolver a todos.

Um calafrio seguia sorrateiramente a escuridão, impregnando a sala com sua presença gélida. Alguns empalideceram e outros tremeram, observando enquanto seus suspiros condensavam em nuvens de branco etéreo.

“Escuridão, minha velha amiga, ganhe vida para me ajudar a contar um relato emocionante. Uma história de infortúnio, solidão e isolamento. Tudo começa com a vida de um menino pequeno, uma criança solitária. Um que não era como os demais, e por isso ele se tornou o único.”