Unidos ao Príncipe Cruel - Capítulo 856
Capítulo 856: Ela Não Pode Ser Nossa Rainha
Gabbi passou o dia inteiro nervosa, sua mente repetindo a declaração de Azreal horas atrás. A ideia de compartilhar uma cama com ele, novamente, fazia seu estômago se contorcer em nós apertados e desconfortáveis.
Apesar de querer acreditar que o homem pássaro estava brincando, suas experiências com ele até agora indicavam o contrário. Azreal não era do tipo que fazia piadas, nem era do tipo que voltava atrás em sua palavra. Ela sabia disso. E assim, a ideia de sua presença imponente ao lado dela naquela noite a deixava nervosa e inquieta.
A rotina permanecia a mesma.
Comer. Banhar-se. Dormir. Repetir.
Os dias de Gabbi eram mecânicos, ditados pelos poucos servos que lhe traziam refeições, mas nunca falavam. Eles eram corteses, mas distantes, seus olhos nunca se encontravam com os dela, como se ela fosse uma criatura estranha que não podiam compreender. Suas tentativas de conversar eram recebidas com sorrisos apertados e acenos, e estava claro que não tinha intenção de interagir além do necessário.
A porta do seu quarto permanecia guardada o tempo todo. Mesmo se Gabbi quisesse sair, não havia oportunidade. Os guardas Ravenkind do lado de fora estavam sempre presentes, silenciosos e vigilantes. E bem no fundo, mesmo se ela de alguma forma conseguisse ultrapassá-los, a memória de cair no abismo sob seu reino montanhoso. Ela não ousava se aproximar daquela lacuna sinistra desde então.
Gabbi podia sentir em seus ossos: o Ravenkind não gostava dela. Não, isso não estava certo — eles não a queriam. Humanos não eram bem-vindos aqui. Eles a viam como uma intrusa, algo estranho e indesejado. Não era apenas sua imaginação. A maneira como olhavam para ela, como um animal de presa vagando em um covil de predadores, confirmava suas suspeitas. Ela não pertencia. Não neste reino. Não neste mundo.
E ainda assim, Azreal a escolheu.
Ela não tinha certeza se isso tornava as coisas melhores ou piores.
Para se distrair da noite iminente e de seus pensamentos em espiral, Gabbi recorreu à única coisa que restava para ocupar seu tempo: explorar o quarto em que estava presa por aquilo que parecia uma eternidade.
O espaço estava surpreendentemente desprovido de qualquer toque pessoal, despojado das marcas que se esperaria nos aposentos de um rei. Sem pinturas. Sem lembranças. Nada que lhe desse qualquer percepção do homem ou Valravn que governava o Ravenkind.
Isso até que ela encontrou o diário.
Ele estava cuidadosamente escondido, mas não havia nada que a falta de trabalho e o tédio não pudessem alcançar.
No momento em que ela abriu o jornal encadernado em couro e viu a caligrafia rabiscada nas páginas, ela sabia que era dele. Azrael. O script elegante, afiado, mas refinado, combinava perfeitamente com sua personalidade.
A princípio, ela hesitou. Parecia que estava invadindo sua privacidade, como se estivesse cruzando um limite que não deveria. Mas o tédio era um motivador poderoso, e a curiosidade era ainda mais forte. Além disso, não é como se ele algum dia fosse contar a ela qualquer uma dessas coisas por conta própria.
As primeiras páginas eram chocantes, cheias de raiva e frustração que pareciam saltar do papel. Azreal escreveu sobre de repente se tornar rei, sobre a morte de seu pai e sobre sua mágoa em relação ao laço de parceiros que havia arruinado sua família. Sua mãe morreu primeiro, e o laço que prendeu seu pai a ela trouxe apenas miséria após sua morte. Seu pai se tornou uma sombra do homem que era, eventualmente sucumbindo à doença e ao desespero.
Azreal foi deixado para juntar os pedaços, empurrado para uma posição de poder que nunca quis. O reino havia se tornado um fardo. Suas asas, antes símbolos de liberdade, agora pareciam algemas que o prendiam ao chão.
“Espero nunca ter uma companheira.”
“Eu gostaria de não ter que ser rei.”
“Se ao menos eu fosse livre como os pássaros no ar.”
“Pensar que tenho asas, mas não posso voar.”
O coração de Gabbi apertou enquanto lia aquelas palavras. Ela quase podia sentir o peso de sua dor, sua raiva. Era cru, sem filtro, as confissões de um homem que havia sido forçado a um papel que não escolheu. De certa forma, ela entendia. Ela também havia sido empurrada para um mundo que não havia pedido.
Mas à medida que lia mais, algo mudou. A raiva, embora ainda presente, começou a ceder lugar a algo mais… um anseio. Azreal escreveu sobre as boas memórias que tinha com seus pais, dos momentos em que eram felizes, antes de a escuridão do laço de parceiros os consumir. Havia uma tristeza silenciosa em suas palavras, mas também um vislumbre de esperança.
Gabbi se pegou sorrindo, apesar de si mesma. Naquelas páginas, ela viu um lado diferente de Azreal, não o rei frio e calculista que a havia capturado, mas um homem que havia perdido tanto e, ainda assim, mantinha uma esperança frágil por algo mais.
Não foi até que ela chegou à última página que seu coração realmente parou.
“Quero uma companheira.”
As palavras eram simples, mas a atingiram como um soco no estômago.
Ele havia mudado?
Em algum momento, Azreal passou de rejeitar a ideia de uma companheira para ansiá-la. Mas por quê? O que havia causado uma mudança tão drástica? E por que ela?
Sua mente estava acelerada. Ela era realmente sua companheira, ou era algum erro, algum jogo distorcido do destino? Ele a queria de verdade, ou estava simplesmente ligado a ela por algum laço antigo do qual não podia escapar?
Gabbi estava prestes a sair da sala e exigir respostas dele naquele momento. Mas ela se conteve. Por mais que desejasse confrontá-lo, sabia que não deveria agir impulsivamente. Ainda não.
Em vez disso, ela cuidadosamente colocou o diário de volta onde o havia encontrado, certificando-se de que tudo estava exatamente como estava antes. A última coisa que precisava era que Azreal soubesse que ela havia estado bisbilhotando.
Mas uma coisa era certa: ela não ia deixar isso passar. De uma forma ou de outra, ela ia conseguir respostas.
Azreal estava na cabeceira da câmara, suas asas dobradas firmemente contra as costas enquanto a sala se enchia com murmúrios baixos dos Valravn. Todos os tipos de homens-pássaro estavam presentes, seus olhos penetrantes brilhando à luz, penas eriçadas enquanto conversavam em sua estranha língua. O ar estava denso com tensão, a cadência única dos sons semelhantes a pássaros criando um eco assustador que reverberava pelas paredes de pedra.
Esta não era uma reunião comum. O clima era sério demais. Todos os olhares estavam fixos em Azreal, seu rei, mas mais ainda, fixos na tempestade que se formava em torno de sua última decisão. Sua escolha de uma companheira humana havia gerado ondas de incerteza em todo o reino.
O rosto de Azreal era uma máscara de calma, mas por dentro, ele se preparava para o desafio inevitável. Não demorou muito para que ele chegasse.
Da multidão, uma fêmea Valravn mais velha deu um passo à frente. Suas penas eram salpicadas de prata, uma marca de sua idade e sabedoria, e seus olhos brilhavam com uma luz feroz e protetora. Ela era bem-respeitada, uma das anciãs que havia presenciado o ascenso e queda de seu povo.
“Azreal,” ela começou, sua voz cortando os murmúrios, “você não pode reivindicar essa humana como sua companheira.”
A multidão se agitou, alguns acenando com a cabeça em concordância enquanto outros observavam Azreal de perto. O peso da avaliação deles recaía sobre ele, mas ele se manteve firme, mandíbula cerrada enquanto se preparava para responder.
“Você esqueceu?” continuou a anciã, aproximando-se. “A primeira humana que veio entre nós—confiada por nosso povo—nos traiu. Ela quase levou à nossa aniquilação. E agora você traz outra humana para o nosso meio? Não aprendeu nada com o passado?”
Os olhos de Azreal se estreitaram, suas mãos se alongando em punhos ao lado do corpo. Ele esperava por esse argumento. Era a mesma história à qual eles se apegavam, século após século, usando-a como um escudo contra o mundo além de suas fronteiras.
“Isso foi há séculos, o mundo não é mais o mesmo que era. Os humanos não são mais os mesmos, e nem nós. Você não pode continuar a julgá-los pelas ações de um.” Ele trovejou.
Um murmúrio de descontentamento se espalhou pela câmara, mas antes que alguém pudesse falar, outra figura emergiu da multidão. Um homem alto, de ombros largos com penas escuras, usava um colar feito de garras de pássaro em volta do pescoço — um sinal de seu status como guerreiro. Seus olhos brilhavam com desafio enquanto ele avançava, enfrentando Azreal.
“A humana não conhece nossos costumes,” o homem disse com uma voz baixa e acusadora. “Ela não pode ser nossa rainha. Ela não pode nos liderar. Se você insiste em mantê-la, está traindo seu próprio povo.”
O olhar de Azreal se obscureceu enquanto ele encontrava o olhar do guerreiro. “Eu vou ensiná-la nossos costumes. Ela aprenderá. Você não pode julgá-la antes de dar-lhe uma chance.”
A sala explodiu em protestos, vozes se elevando em raiva, penas eriçadas enquanto os reunidos Valravn discutiam entre si. A própria ideia de uma rainha humana, de permitir que um dos que quase os destruíram, era demais para muitos aceitarem.
De repente, os protestos foram silenciados por um único olhar de outra anciã que havia permanecido em silêncio até agora. Seus olhos eram afiados, e apesar da idade, ela carregava-se com a força silenciosa de alguém que havia visto mais do que a maioria deles jamais veria.
“Chega,” ela disse, sua voz comandando atenção. A câmara se acalmou enquanto ela avançava, seu olhar fixo em Azreal. “Você diz que esta humana é sua companheira?”
Azreal assentiu, engolindo em seco. Ele sabia que este era o teste final. Se os anciãos recusassem, se eles se voltassem contra ele agora, seu laço com Gabbi poderia rasgar a paz frágil que mantinha o Ravenkind unido.
A anciã acenou lentamente, seu rosto impassível. “Muito bem,” ela disse. “Nós daremos a ela uma chance.”
O coração de Azreal disparou. Alívio surgiu através dele, mas foi rapidamente temperado pela tensão ainda pairando no ar.
“Mas ouça isso,” a anciã continuou, sua voz endurecendo. “Nós estaremos de olho nela. De perto. Se ela nos der qualquer motivo para acreditar que irá nos trair, ou que representa um perigo para o nosso povo, não hesitaremos em acabar com sua vida.”
A garganta de Azreal se apertou, mas ele manteve sua expressão neutra. Ele sabia que este seria o preço. Era o único caminho.
“Tudo bem,” ele concordou, sua voz baixa mas firme. “Eu aceito suas condições.”