263: Nossa Casa (Memória de Bai Ye) 263: Nossa Casa (Memória de Bai Ye) Ele estava errado. Muito errado. Porque, após quase dois meses, ele ainda não conseguia se adaptar a essa nova vida de jeito algum.

“Mestre, pode vir até o jardim, por favor?”

Bai Ye resmungou quando ouviu a voz levada pelo vento através de sua janela. Ele mal tinha começado sua leitura do dia e a encrenqueira já estava interrompendo-o novamente. Desde quando ela esgueirou-se para o jardim?

Nos últimos dois meses, ele nunca conseguia entrar em seu próprio jardim sem se confundir com sua aparência sempre mutável. No curto tempo em que essa garota esteve aqui, ela rearranjou todos os vasos e pedras decorativas, aparou cada árvore e arbusto e acrescentou cinco animais feridos ao pequeno canto de resgate que ela cercou pelos corredores. Se Bai Ye não soubesse melhor, pensaria que ela era um espírito da madeira em vez de um espírito da espada. Mas, pensando bem, ele supôs que a afinidade com a natureza veio como um resultado esperado de sua alma formar-se a partir do poder prístino do céu e da terra.

“Mestre?”

Pousando seu livro relutantemente, Bai Ye levantou-se da cadeira e saiu para fora. O sol da manhã ainda estava baixo no leste, e a garota estava de pé sob a sombra do alto pinheiro atrás de seu quarto. Seus olhos imediatamente pousaram na pá em suas mãos e na terra solta sob seus pés. “Não me diga que você estava cavando à procura de minhocas”, ele murmurou. A esta altura, no entanto, nada que a garota fizesse o surpreenderia.

Os olhos dela brilhavam. “Isso é uma ótima ideia! O pássaro que eu te mostrei na semana passada está se curando rápido, então ela provavelmente precisará de mais comida em breve…” Ela pausou com um riso enquanto Bai Ye lançava-lhe um olhar. “Mas eu sei, eu sei. Eu não vou virar o seu lindo jardim de cabeça para baixo só para encontrar minhocas. Eu estava na verdade plantando algo, e pensei em perguntar se há um layout particular que você goste para essa nova adição.”

Bai Ye só então percebeu as plantas ao lado dela. Alguns pequenos maços que pareciam grama superdimensionada. “O que é isso?” Ele não fingiria que sabia ou se importava com plantas. “Por que você quer elas aqui?”

“É a Grama da Sombra Lunar, uma planta que é excelente em absorver poder espiritual yin ao seu redor. Eu notei desde que o outono começou que o Monte Hua é bastante pesado em yin, especialmente pela manhã quando o pico principal está coberto por neblina. Normalmente, este é um fluxo de poder benéfico para os cultivadores, mas como você já vem usando as Estrelas Gêmeas há muito tempo, o poder yin adicional pode eventualmente tornar-se excessivo e afetar negativamente você. É melhor nos prepararmos para isso e equilibrar o yin-yang em sua sala antes que seja tarde demais.”

A expressão no rosto dela nunca havia sido tão séria nos últimos dois meses. Bai Ye olhou para ela, atordoado. A pequena encrenqueira estava fazendo isso porque… ela estava preocupada com a saúde dele?

“Você não acredita em mim?” ela viu o espanto em seus olhos e perguntou. “Não tenho ideia de como sei disso. Uma parte de mim parece ter uma vaga lembrança de uma floresta… Com todo tipo de planta que eu raramente vejo aqui no Monte Hua. Não me lembro quando ou onde foi, mas de alguma forma eu sei todos os nomes e usos dessas plantas, e tenho certeza que o que eu me lembro está correto. Isso foi impresso na minha mente antes mesmo de eu estar ciente da minha própria existência.”

“N-Não, não é que eu não acredite em você.” Bai Ye ficou surpreso ao se encontrar gaguejando um pouco. “Você deve estar se lembrando do lugar onde você nasceu, onde o poder espiritual para forjar as Estrelas Gêmeas foi coletado. Faz todo o sentido. Fui apenas pego de surpresa por… por quanto você sabe sobre o equilíbrio do poder espiritual.”

Bem, essa foi a conversa mais longa que ele já teve com essa garota. Surpreendeu-o novamente. E por que ele mentiu sobre o motivo de estar pego de surpresa?

Os olhos da garota acenderam com suas palavras. “Então você me deixaria plantá-las?” ela perguntou com entusiasmo. “Então me diga como você gostaria! Gostou do jeito que eu alinhei os vasos de flores sob a sua janela ontem? Ou você quer que eu tente algo diferente? Plantar é um pouco diferente de arranjar vasos… Não dá para mudar depois que está feito.”

Bai Ye balançou a cabeça. “São apenas plantas. Não importa.”

“Oh, importa sim.” A garota lhe deu um sorriso misterioso e, sem aviso, puxou-o pelo pulso. “Venha até aqui, deixe-me mostrar.”

Sua mão quase recuou por instinto, alertada pelo toque dela. Mas a garota parecia não perceber. Ela o segurou firme e puxou-o para um ponto mais alto no fundo do jardim. “Olhe!” Ela gesticulou para a vista diante deles. “Não parece lindo assim?”

Então ela soltou-o, e Bai Ye rapidamente escondeu sua mão dentro da manga, disposto a que a sensação estranha desaparecesse. Essa garota precisava de algumas lições sobre etiqueta adequada neste mundo, ele pensou. Então ele deixou seu olhar seguir o dela e piscou ao ver a cena.

O jardim realmente parecia lindo após a rearrumação dela. Diferentes tonalidades e tamanhos de vegetação formavam linhas lisas e círculos, acomodando a luz e sombras, bem como o suave rolar do terreno abaixo. Mas não era apenas agradável aos olhos. Não demorou muito para ele perceber que o novo layout seguia o contorno de um símbolo, um que os ancestrais usavam para desenhar ao redor de suas moradias para proteger suas famílias.

“O símbolo do Guardião Divino,” ele disse.

Um sorriso radiante dançou no rosto da garota. “Eu sabia que eu tinha feito certo! Sim, eu estava tentando rearranjar tudo para ajudar a fortificar o poder nesta sala. Este é o nosso lar, Mestre. Eu quero dar o melhor de nós e torná-lo um lugar seguro e bonito. Você gostou?”

Ele olhou para ela, e percebeu então que, nos últimos dois meses, talvez ele não tenha conseguido ver essa garota por quem ela verdadeiramente era.