240: Quem É Você? 240: Quem É Você? Todos os sons pareciam ter se aquietado ao meu redor. Já não podia ouvir o rosnado dos yazis e o resto do mundo se desvaneceu em uma névoa. Apenas o som do meu coração pulsava em meus ouvidos, e apenas a imagem daquela garota de vermelho me queimava como um fogo sibilante.

Nunca esperava vê-la na vida real, e nunca esperava que acontecesse sob circunstâncias como estas. Ela parecia ainda mais bonita viva, mesmo com os olhos fechados e os braços caindo languidamente ao seu lado, como se ainda estivesse profundamente na tristeza. Mesmo com a luz fraca ao nosso redor. Não havia como confundir seus traços de tirar o fôlego e cada detalhe deles correspondia aos que eu tinha visto em todas as minhas visões.

Como isso era possível? O selo que a continha estava aqui muito antes de Estrelas Gêmeas entrar na posse de Bai Ye… Então, quem era ela? E quem era eu?

Uma mão pousou no meu ombro. Eu me assustei, saindo do meu transe. Bai Ye estava olhando para mim, preocupação estampada em seu rosto. “Você está bem?” ele perguntou suavemente.

Sua mão estava fria, e eu queria perguntar se ele estava bem em vez disso. Mas contive a pergunta, sabendo que era inútil. “Estou bem,” eu disse, me forçando a me acalmar. “Ainda não tive a chance de limpar todos os yazis em nossa proximidade ainda—” meus ouvidos finalmente voltaram ao normal e captaram os rosnados se aproximando novamente, “—Vou e…”

“Eu posso bloqueá-los por um momento.” Era a voz de Yu Jing. Não tinha notado que ele já estava ao nosso lado também, seu rosto pálido. O feitiço de mais cedo deve ter sido duro com ele. Ele tirou um conjunto de talismãs e murmurou outra encantação, convocando um escudo sobre as entradas para a nossa seção da caverna. “As feras não conseguirão passar por um tempo. Isso nos dará algum tempo para lidar com isso primeiro—” ele fez um gesto em direção à garota na nossa frente.

Eu mordi por dentro. Yu Jing não sabia dos emaranhados entre Bai Ye e essa garota – ou pelo menos, quem ela aparentava ser – e ele não sabia o quão impossivelmente difícil era para nós lidarmos com isso. Eu não ousava olhar para Bai Ye, incerto e um tanto receoso das lutas que eu poderia encontrar em seu rosto. “O que aconteceu enquanto eu estava fora?” perguntei a Yu Jing em vez disso.

“Chegamos atrasados. O selo estava muito próximo de se romper. Estava mal se sustentando por si só, e o influxo de poder espiritual trazido pelo processo de renovação foi demais para suportar. Ficou instável e quebrou antes que o feitiço fosse concluído.”

Houve um momento de silêncio. “Você não pode reinstalar o selo?” Bai Ye perguntou depois de um tempo. “Da mesma maneira que o original foi feito seiscentos anos atrás?”

Olhei para ele então, surpreso pela pergunta. Ele estava perguntando por medo de que Yu Jing pudesse fazer algo para machucar a garota, ou estava sugerindo que reinstalássemos o selo se essa fosse uma opção?

“Não neste momento,” disse Yu Jing. “O feitiço de mais cedo exigiu muito do meu poder, e eu não serei capaz de convocar força suficiente para outro selo tão cedo.” Ele olhou para a garota. “Não cedo o suficiente antes dela acordar.”

Todos os olhares se voltaram para ela. Yu Jing estava certo. O fluxo de poder espiritual ao redor dela havia mudado enquanto falávamos, erguendo seu queixo e levantando seu corpo como se preparasse para acordá-la do longo e profundo sono. Suas espessas pestanas tremeram e seus dedos tiveram um espasmo, o aperto nas espadas gêmeas fortalecendo-se. Lentamente, ela soltou um leve suspiro e abriu os olhos.

A primeira pessoa em que esses olhos pousaram foi Bai Ye.

Prendi a respiração e meu próprio aperto nas espadas se fortaleceu. Longos e silenciosos segundos passaram. Enquanto ela o estudava, eu procurava sinais de reconhecimento, ódio, arrependimento ou mesmo saudade em sua expressão. Mas não havia nada. Ela piscou os grandes olhos antes de observar o resto da sala, seu olhar passando primeiro por Yu Jing e depois por mim.

Achei ter visto algo passar pelo seu rosto no momento em que nossos olhos se encontraram. Mas antes que eu pudesse capturar bem aquele vislumbre fugaz, ele se foi, e havia apenas vazio naquelas profundezas brilhantes.

“Quem é você?” ela abriu os lábios e perguntou, para nenhum de nós em particular.

A pergunta nos pegou de surpresa. Pisquei. Ela não conhecia Bai Ye? Instintivamente, lancei um olhar para ele. Sua testa estava franzida, provavelmente com o mesmo enigma passando por sua mente.

“Gostaríamos de fazer a mesma pergunta.” Foi Yu Jing quem respondeu. Ele se virou para mim. “Você disse que esse… espírito, ressoou com uma espada demoníaca que você possui? São as espadas que você está carregando agora?”

Assenti e estendi Estrelas Gêmeas. “Você deve reconhecê-las,” eu disse à garota.

Mantive meus olhos nela o tempo todo, certificando-me de que qualquer mudança em seu olhar não escaparia de mim outra vez. Mas ela continuou me encarando vazia. “Elas parecem com as que estou segurando,” ela disse, levantando as lâminas em suas mãos. “Elas são relacionadas?”

A confusão cresceu em minha mente. Não havia como um espírito da espada não reconhecer o poder de suas próprias espadas. “É comum para aquele selo afetar o poder espiritual do alvo?” perguntei a Yu Jing.

Ele balançou a cabeça. “Não… Geralmente não. Mas considerando que também não é usual para esses selos durarem mais de seiscentos anos, nada é impossível.”

“Seiscentos anos?” a garota ofegou. “Você acabou de dizer… que estive dormindo aqui… por seiscentos anos?”

Os três de nós trocamos um olhar então. Será que o selo danificou sua alma a tal ponto que ela perdeu não apenas a conexão com Estrelas Gêmeas, mas também suas memórias?

Ou… Quem ela realmente era?