- Home
- Seja Gentil, Mestre Imortal
- Capítulo 194 - 194 Lembranças de um Coelho 194 Lembranças de um Coelho O baú
194: Lembranças de um Coelho 194: Lembranças de um Coelho O baú tinha dois compartimentos. O da esquerda estava cheio de pedaços de argila, enquanto o da direita estava cheio de… grama seca e folhas.
Ou pelo menos, assim pareceria para qualquer outra pessoa que o encontrasse. Mas eu precisava apenas de um olhar para saber o que eram aquelas verduras desidratadas no lado direito. Com o máximo cuidado, peguei um fio de folhas de palmeira que estava no topo da pilha, colocando-o gentilmente em minha mão.
As folhas foram tecidas no formato de um coelho. As tramas e tranças haviam se soltado com o passar dos anos, e o verde vibrante havia se tornado um tom opaco de amarelo, mas eu ainda podia reconhecer facilmente, pelo contorno de sua barriga achatada e orelhas gorduchas, que era um trabalho mal feito meu — eu o tinha feito durante minha primeira primavera no Monte Hua, após meu primeiro resgate de animais feridos do jardim de Bai Ye.
Eu ainda me lembrava daquele dia em que entrei no quarto dele com o coelhinho aleijado em meus braços e lama por todo o meu robe. Eu não podia ignorar a coisinha quando a encontrei tremendo atrás dos arbustos, mas não fazia ideia de como meu mestre reagiria a um ato tão infantil. Eu não o conhecia há muito tempo — apenas alguns meses naquela época — e, por mais que eu soubesse que ele não prezava formalidades como outros mestres, eu não ousava ir longe demais. Salvar animais bebês não fazia parte do dever de um discípulo, afinal.
Sendo a garota tímida que eu era naqueles dias, hesitei na soleira da porta, debatendo comigo mesma o que dizer a ele. Mas ele ouviu minha aproximação e veio até mim primeiro. Apenas um olhar para o pequeno bola de pelos em meus braços, e ele soube o que eu estava lá para fazer. “Você sabe o que ele come?” foi a única pergunta que ele fez enquanto me acariciava carinhosamente na cabeça.
Eu quase não podia acreditar em meus ouvidos. Nem nos meus olhos nos dias seguintes, enquanto ele me ajudava a coletar os vegetais para alimentá-lo e usava a oportunidade para me ensinar como tratar juntas deslocadas e fraturas ósseas. O coelho se curou rapidamente. Quando ele já conseguia pular por aí livremente outra vez, nós o soltamos juntos, e eu me lembro daquele sorriso caloroso no rosto dele quando ele me disse que eu havia feito um trabalho maravilhoso.
Foi quando eu teci esta figurinha de coelho com folhas de palmeira. Era um hábito bobo do qual eu não conseguia me livrar — eu queria algo para lembrar do meu pequeno amigo, e também algo para me lembrar de quão sortuda eu era por ter um mestre tão compreensivo. Mas meu artesanato era tão terrível que a figurinha ficava sempre gorda e feia, e eu desisti depois de algumas tentativas. Eu não prestei mais atenção naquela massa de minhas tentativas falhas depois disso, simplesmente assumindo que elas haviam terminado no lixo.
Jamais teria pensado que, cinco anos depois, eu as encontraria armazenadas como um tesouro em um baú.
Meus olhos se moviam para o resto dos itens naquele compartimento. Pássaros trançados, esquilos… Eu tinha feito um destes a cada vez que salvava uma pequena vida, e quase havia me esquecido de quão perto eu estava de transformar o hall de Bai Ye em uma fazenda. Eu era de fato sortuda — nenhum outro mestre teria tolerado uma discípula assim.
Colocando o coelho tecido cuidadosamente de volta no baú, eu examinei o outro compartimento.
A argila havia desmoronado demais, e eu não ousava alcançá-la. Tudo viraria poeira se eu soprasse com muita força sobre ela. Eu levantei o baú até o nível dos meus olhos, examinando o conteúdo de diferentes ângulos, e só quando dei uma volta completa com o baú à minha frente que percebi… que eram também figurinhas de animais.
A pelo estado de degradação, haviam sido guardadas por um longo tempo. Talvez até por centenas de anos. Os detalhes estavam difíceis de ver nesse ponto, mas o contorno vago ainda era discernível. Assim como a coleção do outro compartimento, eram pássaros, coelhos, esquilos… E pelas poucas curvas delicadas que sobreviveram até hoje, eu podia perceber quão mais bem feitas elas eram comparadas ao meu artesanato tosco.
Tais delicadezas claramente não foram feitas por minhas mãos, mas mal precisava adivinhar para saber de onde elas vieram. Eu me lembrava daquela primeira visão que as Estrelas Gêmeas me mostraram, e sorri um pouco ao ver aquela expressão no rosto de Bai Ye quando meu eu do passado trouxe a ele o pássaro ferido. Que tipo de expressão ele teria me mostrado ao ver essas figurinhas de argila? Quanto tempo levou para ele finalmente aceitar esses meus caprichos?
Meu coração se encheu enquanto passava os dedos pela borda do baú. Eu sempre fui um pouco envergonhada por como agia de maneira infantil nos meus primeiros dias no Monte Hua — eu achava que deveria ter contido esse carinho por pequenos animais aos catorze anos já, em vez de mostrar tão descaradamente e fazer com que Bai Ye me aturasse assim. Eu sempre fui grata por ele tolerar minhas tolices por tanto tempo, mas pouco sabia que essa era uma característica que vinha do próprio espírito da espada. Uma característica que ele odiou no início, depois veio a amar lentamente, tanto que ele chegou a coletar todas essas pequenas memórias disso. Tanto que toda vez que eu resgatava um coelhinho, estava lembrando-o de que a garota que ele havia amado por toda uma vida ainda estava aqui, bem ao seu lado.
De repente, me lembrei da noite de Meio Outono, quando ele colocou aquela lanterna de coelho em minhas mãos sob meu olhar incrédulo. A garota dentro de mim não havia mudado, ele me disse naquela época. E agora, eu finalmente sabia o verdadeiro significado por trás daquelas palavras.