Ponto de Vista de Um Extra - Capítulo 999
Capítulo 999: Fim
Nove anos haviam se passado.
Os ventos de H’Trae haviam se tornado suaves. Os céus, outrora rasgados por batalhas e fendas celestiais, agora brilhavam em tons de azul infinito. A paz havia envolvido o mundo como um manto quente. O Sistema há muito se fora, enterrado na memória. A antiga ordem havia desaparecido, e em seu lugar, uma nova era florescera — uma onde as pessoas eram livres, onde a magia não estava mais acorrentada às regras divinas, e o futuro era algo a ser moldado pela vontade, não ditado pelo destino.
Rey estava sentado sob uma árvore prateada em flor no quintal de sua casa no campo. A brisa brincava com seu cabelo enquanto o riso de Lucielle ecoava de dentro.
Seus três filhos — Aris, o mais velho com oito anos, com seu espírito selvagem e asas escuras; Myra, sua filha de sete anos com olhos esmeralda e sagacidade; e o mais novo, o bebê Elias, com pouco mais de um ano e apenas aprendendo a andar — todos brincavam do lado de fora com um certo felino negro que balançava a cauda preguiçosamente e fingia estar irritado toda vez que eles pulavam sobre ele.
Ater, agora frequentemente em sua forma de gato relaxado, resmungava baixinho enquanto Myra o atacava novamente.
“Eu sou uma criatura mais velha que suas estrelas,” ele murmurou.
“E você está perdendo para uma criança!” Aris riu, vitorioso.
Elias ria enquanto tentava subir nas costas de Ater, e pela primeira vez, o antigo ser não se importava. Seus ronronados ressoavam como trovões antigos abaixo da superfície.
Rey observava, apoiado na cerca, braços cruzados e coração cheio. Ele nunca havia imaginado que tal vida seria possível após a guerra cruel — após os muitos sacrifícios feitos para chegar a esse ponto.
E ainda assim… lá estava ele.
Vivo. Completo. Feliz.
“Certo, pessoal… é hora de levar tudo para dentro.” Lucielle surgiu, seu sorriso claro irradiando no ar enquanto Rey se virava para ela. “Hora de comer!”
Todos correram para dentro da casa, e Rey também se juntou, abraçando e beijando sua esposa antes de entrar. Todos desfrutavam da refeição — até mesmo Ater, que agora estava em forma humana, aproveitava a suntuosa refeição preparada principalmente pela Magia de Lucielle.
Foi um momento pacífico… um que todos na sala desejavam que durasse para sempre
Mas essa paz teve um preço.
KOK! KOK!! KOK!!!
Uma batida de repente ecoou na porta.
Afiada. Clara. Singular.
Ater congelou.
Seu pelo se arrepiou, seus olhos se estreitaram em fendas, e ele se voltou para Rey com olhos solenes.
“…São eles,” ele disse.
A expressão de Rey escureceu. Ele se voltou para a porta com uma determinação sombria.
“Eu os esperava,” ele murmurou.
A calma que cobria H’Trae há nove anos se quebrou em um instante.
Ambos saíram.
O ar havia mudado — como gelo sob o sol de verão. O céu, outrora gentil, agora ondulava de forma anormal. Diante deles estavam duas figuras, mas não eram Anjos. Sem asas radiantes. Sem auréolas douradas.
Sem calor.
O primeiro era pálido e esguio, com pele como osso alvejante, e olhos que devoravam a luz ao seu redor. O outro era mais alto e musculoso, envolto em sombras que se moviam como serpentes ao redor de seus membros.
Sua presença não apenas distorcia o ar — ela o corrompia.
Rey cerrou os punhos.
“Quem são vocês?” ele exigiu.
Os olhos de Ater se arregalaram em reconhecimento — não, em pavor.
“Não… não eles. Não aqui,” ele sussurrou. “Rey, corra — leve sua família —!”
Mas antes que Ater pudesse se mover, o alto avançou, mais rápido que o pensamento. Em um movimento cruel, ele agarrou Ater pelo pescoço, levantando o antigo ser como se não pesasse nada.
“Ater!” Rey gritou, avançando e conjurando cada grama de Antiga MajiK que ele havia passado anos dominando.
Ele desencadeou uma explosão de Feitiços em camadas, poder capaz de reescrever o tecido da matéria — mas o pálido e magro apenas levantou a mão.
O feitiço se despedaçou.
Rey ofegou, tentando novamente, desta vez embutindo sua alma na execução. Não importava. Seus poderes, refinados por nove anos, foram desfeitos como poeira diante de uma tempestade.
O alto se virou para Rey, agarrando sua garganta e levantando-o no ar.
“Deixe… eles… irem…” Rey sufocou.
O outro não disse nada. Ele simplesmente se virou e entrou na casa de Rey.
“Não… Lucielle! As crianças—!” Rey gritou.
Mas ele estava indefeso.
Ele ouviu o som de luta. Então um grito — a voz de Lucielle. Seu coração caiu.
Então silêncio.
Silêncio agonizante.
Ele se debateu, desesperado, clamando com toda a energia que podia reunir — mas ele não podia se mover. Ele não podia respirar. Ele não podia parar.
Uma voz chamou de dentro.
“Entre.”
Aquele que segurava Rey obedeceu.
O corpo de Rey foi jogado no chão como um brinquedo descartado. Ater foi largado ao lado dele, enfraquecido e respirando com dificuldade.
Dentro de sua casa — o lugar de riso e calor — Lucielle e as crianças estavam imóveis. Estavam encharcados de sangue negro, afogados em algo que parecia um líquido corrupto e grosso que se assemelhava mais a óleo sujo do que a sangue.
Seus olhos vazios. Seus peitos imóveis.
Mortos.
“Não…”
A voz de Rey falhou. O mundo tremeu enquanto ele tentava se levantar, lágrimas escorrendo de seus olhos.
“Não, por favor — Lucielle — Aris — Myra — Elias — não—!”
Sentado em uma cadeira de madeira, reclinado como um rei em um trono, estava quem fizera isso. Chifres negros curvavam-se de seu crânio. Seus olhos eram poços sem fundo de escuridão sinistra, e a aura ao seu redor era mais que divina.
Era antiga — mais antiga do que qualquer coisa que Rey já havia presenciado.
“Eu sou Zagan,” disse a figura, sorrindo. “Um dos Doze Arquiducados que servem ao Deus Antigo do Caos.”
Ater, apesar de sua dor, gemeu em pura recusa.
Rey olhou, despedaçado. “Por quê…?”
“Você cometeu um erro,” Zagan disse, voz suave como seda e afiada como navalhas. “Quando aqueles Anjos incompetentes não conseguiram rastrear sua pequena realidade de bolso, nós caçamos. Nós encontramos. E agora, por causa do que você fez, você se tornou uma ameaça.”
Ater tentou falar, mas tossiu sangue.
Zagan olhou para ele com curiosidade. “Você… sua presença me é familiar.”
Seus olhos se estreitaram.
“Não importa,” ele disse.
“Vamos queimar este mundo até as cinzas. E vocês dois—” ele apontou para Rey e Ater “—vão assistir. Impotentes.”
Rey cerrou os punhos. Raiva e dor fundiram-se em algo profano. Ele tentou se levantar. Ele tentou falar. Mas ele não conseguiu.
Ele nunca se sentiu tão quebrado.
Tão fraco.
“Vou deixar você fazer uma pergunta,” Zagan ofereceu de forma zombeteira. “Um presente… antes da aniquilação.”
Rey levantou a cabeça, sua voz baixa mas fria.
“Você acha… que vai viver… depois de fazer isso… com minha família?”
Zagan sorriu.
“O mundo de H’Trae não passa de um grão,” ele disse. “E você, verme patético, é ainda menos.”
Ele se levantou, erguendo-se sobre ambos, sombras se estendendo atrás dele como garras.
“Este é o fim da linha,” ele declarou. “Tudo sobre sua história termina… aqui.”
E Rey só pôde assistir as sombras se fecharem enquanto a voz esmagadora de Zagan ecoava em todo o mundo — tudo o que ele conhecia e amava.
“Agora assista enquanto destruímos tudo.”