Capítulo 519: No manto da noite

O sangue de Zia gelou ao ouvir o grito, e ela bateu ainda mais forte na porta. Nesse ponto, ela poderia quebrar a porta antes que alguém a abrisse. Ah, como ela desejava poder fazer isso.

“O que aconteceu?!” ela gritou, socando a estrutura irritantemente robusta até o lado de suas mãos ficarem avermelhados. “Abram a porta! O que aconteceu?!”

Quando Zia pensou que deveria pedir aos guardas para simplesmente arrombar a porta, ela finalmente se abriu. Ela desejava, oh, ela rezava para que fosse o rosto sonolento de Valen que a cumprimentasse; mas o que viu foi o rosto pálido de Panne.

“S-Senhora Zidoa…”

Zia correu imediatamente para dentro; seu pescoço sentindo-se ao mesmo tempo quente e frio. Lá dentro, ela podia ver Mara agarrando a borda do cobertor, e a criada gaguejou ao vê-la.

“M-minha Senhora! O Jovem Mestre está–”

“O quê–”

“Ele não está aqui!”

Zia parou por um segundo, antes de correr para a cama, que claramente tinha sido usada não muito tempo atrás. A marca no travesseiro e o amassado no lençol ainda estavam lá. Se ela se concentrasse, poderia sentir os vestígios da mana quente de Valen, mas…

Não havia Valen.

“Eu verifiquei o banheiro e o berçário–ele não está lá,” disse Panne; seus lábios estavam azulados e trêmulos.

“O quarto da Jade? O tesouro?” Zia apertou seu manto.

Panne balançou a cabeça antes de abaixá-la, olhando fixamente para o chão enquanto apertava o punho.

Que diabos está acontecendo?!

Enquanto Zia arrancava os cabelos, a porta do quarto foi escancarada. “Jovem Mestre!” Arta entrou correndo, ainda de camisola, enquanto Angwi a seguia.

Zia irrompeu e correu em direção à vassala. “Arta! Valen desapareceu!”

“O quê?” Arta estava perplexa. Seu cérebro ainda não conseguia entender aquela declaração absurda. “Como assim ele desapareceu?!”

Angwi caminhou rapidamente até o colchão, enquanto Arta encarava os guardas que entraram pela varanda e pela porta do quarto. Um deles, apesar de ter um rosto pálido de pavor, conseguiu responder.

“Ninguém sai ou entra no Quarto do Senhor depois do jantar, Senhora,” informou o guarda. Ele havia feito uma verificação mais cedo, no momento em que souberam do desaparecimento do jovem mestre. “Nem mesmo os servos.”

Os servos, exceto por Panne e Mara que moravam ali enquanto estavam de serviço, saíam do Quarto depois de recolher os pratos do jantar. Por sua vez, os guardas entravam para trancar as janelas e portas, além de manter vigilância. Como eles adoravam o jovem mestre e tinham medo do Senhor, ninguém negligenciava o dever. Especialmente naquela noite.

“Então como isso está acontecendo?!” Arta gritou em frustração.

“A porta estava trancada, Senhora,” continuou o guarda, balançando a moldura da janela próxima. “E também as janelas–ainda estão. Os feitiços de detecção ainda estão intactos.”

“E os outros quartos?” Malta, que acabara de chegar, perguntou com uma profunda carranca após ouvir um resumo do guarda.

“Checamos, não há nada errado.”

“J-Jade e Ignis também desapareceram,” Zia apontou para os travesseiros com duas pequenas escavações. “Se alguém sequestrou Valen, eles não ficariam parados.”

Malta estreitou os olhos. “Você está sugerindo que o Jovem Mestre saiu por conta própria, minha Senhora?”

Zia assentiu–essa era sua esperança, de qualquer forma. Ainda era preocupante, mas soava melhor do que Valen sendo sequestrado ou ferido por alguém que poderia entrar no quarto principal trancado sem alertar ninguém ou violar os feitiços nas portas e janelas.

“E se eles foram incapacitados?” Arta murmurou ansiosamente, mas sua irmã mais velha imediatamente refutou após olhar para o estado da cama.

“Incapacitar uma besta mítica? Deveria haver um rastro, pelo menos.”

“Sim, aqui está limpo,” o guarda disse depois de olhar para a cama também. Não havia vestígios de luta ou alguém sendo arrastado. Como Malta disse, uma entidade como a Salamandra tinha um instinto de sobrevivência automático que entraria em ação caso alguém a atacasse enquanto dormia. Mas não havia nem mesmo um cheiro de pedaços queimados no ar. “Pelo que parece, é como se o Jovem Mestre tivesse levantado e depois… desaparecido.”

O quarto caiu em silêncio, exceto pelo suave soluçar de Mara. O que quer que tenha acontecido ali, Valen havia desaparecido, e isso era o único fato que importava.

“Valen…” Zia sentou-se na beirada da cama, mordendo as unhas em ansiedade.

“Mas… por quê?” Arta perguntou aturdida. Claro, talvez fosse o melhor cenário se Valen tivesse saído por vontade própria, mas… por quê? Por que ele sairia sem dizer nada?

E mais importante; como?

“Vocês entraram em contato com Sua Senhoria?” Malta perguntou aos guardas, e enquanto todos assentiam, a expressão deles não era boa.

“Ainda não conseguimos estabelecer uma conexão,” disse o guarda. “Parece que os feitiços no campo de batalha estão interferindo na ligação.”

Arta não conseguiu evitar de praguejar.

“E o sistema de comunicação de emergência do castelo?” Zia levantou-se, olhando para Malta. “Não podemos tentar contatar a Fortaleza Vermelha em vez disso?”

“Vou cuidar disso,” Malta assentiu.

“Ah, mas onde ele poderia estar…” Mais uma vez, Zia abaixou os ombros e virou-se para a cama. Ela pegou o olhar de Angwi, e viu o dedo dela apontando para fora da janela.

No meio da noite, lírios d’água brilhantes iluminavam o lago como estrelas no céu noturno. Um caminho de luz das lâmpadas na ponte se estendia pelo lago.

“Ah, droga! Eu devia ter pensado nisso!” Zia segurou a cabeça, ofegando, antes de virar-se para as irmãs e os guardas. “Vocês podem entrar em contato com os guardas na floresta?”

Eles arregalaram os olhos, e até Malta franziu a testa enquanto se repreendia por não considerar isso imediatamente. Os guardas recuperaram os sentidos imediatamente e assentiram. “Eu cuido disso.”

Ele, que parecia ser o líder, tirou um orbe de comunicação e ativou-o. Mas, mesmo depois de passar um minuto agoniante, as runas apenas piscavam em vez de brilharem intensamente. O guarda levantou a cabeça e balançou-a com desânimo.

“Nada?” Zia gritou e bateu o pé nervosamente. “Como assim nada?!”

“Eu não sei, Senhorita,” o guarda também estava ficando mais pálido a cada segundo. “Há uma interferênc–”

De repente, o orbe brilhou, e todos ofegaram com a conexão súbita. Por um segundo, suas expressões anteriormente amarguradas se iluminaram.

Isso foi, até ouvir gritos em vez de saudações.

[Aaargh!]

[Como eles chegaram aqui?]

[O galpão! Vão ao galp–urk!]

O som de batidas e rolamentos foi ouvido em seguida, antes que a conexão morresse completamente.

Com tremor, eles voltaram seus olhares em direção ao lago, justo quando uma série de explosões veio de dentro da floresta.

* * *

Cerca de trinta minutos antes dos demônios descobrirem que o jovem mestre havia desaparecido, várias figuras envoltas em mantos e robes saíram de uma porta escondida sob um antigo pavilhão no jardim dos fundos.

“Que tolice,” zombou a figura encapuzada que emergia do pavilhão abandonado.

Sacrificar a segurança geral para proteger apenas alguns pontos… tornou-se muito fácil se infiltrar assim. Embora, para ser justo, eles também usaram um caminho que ninguém conhecia. Afinal, ele foi feito pela família do antigo Senhor, e não havia como eles compartilharem isso com aquele bastardo Pesadelo.

“Por isso o trono do Senhor deve permanecer na família,” disse a figura encapuzada, que parecia deslizar pelo jardim escuro como se flutuasse, estalando a língua.

Um demônio mais velho que o seguia assentiu em concordância, falando com uma língua melosa. “Você está certo, Ilustre…”

“Cale-se!”

Obviamente, a figura encapuzada não era fã de doces.

“Sua família também coludiu com aquele pirralho traidor!”

“Isso… isso não foi decisão minha, Ilustre…”

A figura encapuzada estalou a língua novamente. Ele adoraria esfolar esses incubi igualmente, mas eles ainda eram úteis por enquanto. O rancor deles contra aquele incômodo Pesadelo ainda servia a um propósito.

Depois… sim, depois, matá-los não seria um problema.

Então eles se contiveram e moveram-se a contragosto em direção ao penhasco. Abaixo, podiam ver a floresta ao lado do lago, cuja superfície cintilante e a brilhante ponte os enojava. Agir como um bastardo apaixonado–que vergonha!

Eles desviaram o olhar para a floresta, que parecia como qualquer outra floresta. De onde estavam, havia apenas árvores na floresta, mas um especialista poderia dizer que isso era devido à barreira de ilusão.

Um tesouro bem guardado convidaria mais ladrões. Proteger o lugar excessivamente assim apenas dizia que algo muito precioso estava dentro.

“Você está aqui,” alguém saiu de trás do penedo, como se tivesse acabado de atravessar a rocha sólida. O que de fato aconteceu.

“Ocla, você tem certeza sobre esta informação?” a figura encapuzada perguntou mais uma vez.

“Claro… Não estou completamente certo,” o intermediário deu de ombros, sorrindo diante do olhar invisível que podia sentir sob a sombra do capuz. “Mas o que mais poderia ser, se eles pediram por um berço?”

A figura encapuzada sibilou. Certamente, havia apenas um uso para um berço; uma criança. Uma criança daquele traidor Pesadelo.

Como ousa! Como ousa! Desfilando por aí empunhando uma espada de justiça para derrubá-los porque se sentiu injustiçado, mas o quê?! Quebrar o juramento tornando-se um Senhor e ainda gerar um filho?!

Como ousa!

Uma tempestade de mana ergueu-se sob a figura encapuzada. Trevas, como fumaça, correram de seus poros para a floresta abaixo.

Eu vou tomar tudo o que você valoriza, Ra Natha!

Com esse juramento, eles saltaram para dentro da floresta.