Capítulo 515: Às vezes, um problema no horizonte nos fazia esquecer do problema em casa.

Assim que eu fiquei forte o bastante para descer as escadas, pedi para tomar café da manhã na sala de jantar em vez de na cama. Natha me disse para preservar minha força, mas eu argumentei que perderia os músculos se continuasse deitado na cama–só então ele cedeu.

Mas, como eu não estava mais no confinado do nosso quarto privado, dividi o café da manhã com os relatórios matutinos que continuavam chegando. Foi agradável, honestamente; me fazia parar de sentir como se estivesse vivendo em uma jaula.

Se ao menos os relatórios contivessem algo além da guerra.

Mas não havia como evitar, pois os tipos de relatórios apropriados para interromper o café da manhã do Senhor naturalmente precisavam ser daquele nível de urgência. Além disso, pelo que eu captava através da tempestade de notícias, a guerra estava se intensificando.

[Na noite passada, o General Ki Kamar conseguiu tomar o Cânion Kha’arvahan] relatou Lesta. Parecia que fazia semanas desde que ouvi sua voz, e ele parecia cansado e com privação de sono.

Era porque Eruha estava lá também?

“Então o território original foi capturado,” Natha murmurou. “Mas aposto que eles não planejam parar por aí.”

[Com o temperamento deles? Nem pensar] Eu podia ouvir um gemido na voz de Lesta, o que era compreensível porque isso significava que ele ainda não podia voltar para casa. [Eles estiveram comemorando a noite toda e aquele ki–digo, o Senhor fez um discurso inflamado sobre dar a eles o gosto de sua própria comida…]

Inclinei a cabeça, e Natha enterrou o rosto na palma da mão. “Você quer dizer ‘o gosto de seu próprio remédio’?”

[Mais como do próprio veneno–mas esses lutadores não se importam com a frase correta desde que transmita o espírito]

Parecia uma reunião animada apesar de ser uma guerra. Definitivamente não é um lugar onde eu me encaixaria.

“Como está a força humana?” Natha perguntou. “É bem surpreendente que eles conseguiram segurar os lutadores da Ira por tanto tempo.”

Certo–eu também estava me perguntando sobre isso. Era estranho dizer isso eu mesma, mas honestamente…sem mim ou o Herói, Lenaar não era muita coisa.

[Ah…isso estava demorando porque os lutadores estavam perdendo tempo com duelos–às vezes entre eles mesmos] disse Lesta com exasperação. Era fácil imaginá-lo dizendo isso enquanto balançava a cabeça em frustração. [Mas…]

“Mas?”

[Vai ficar mais difícil a partir de agora]

Oh? Eu endireitei as costas inconscientemente para me concentrar no relatório, mas Mara limpou a garganta e moveu minha mão–que havia parado temporariamente–para a tigela de mingau à minha frente.

“Por favor, continue comendo, Jovem Mestre.”

Eu sorri e rapidamente comi uma colherada do mingau muito saudável e rico em mana enquanto ouvia silenciosamente a transmissão. Aparentemente, havia dois pontos que poderiam dificultar a campanha.

Primeiro, ao entrarem no território original antes da primeira guerra, a igreja poderia começar a ativar a bênção da Deusa. Se colocarmos isso em termos de jogo, a bênção dava aos humanos buffs como maior defesa e ataque–ou algo assim. De qualquer forma, com a bênção, ativar magia humana seria mais fácil do que magia demoníaca, então…é.

Você pode estar se perguntando; como os humanos ainda têm uma bênção sem a presença da Deusa? Bem, olhando para a Memória de Valmeier, a bênção parecia vir de uma relíquia que a igreja principal possuía, então tudo o que eles precisariam fazer seria ativá-la, eu acho?

Apertar o botão ou algo assim.

Ficou pior quando, segundo os espiões, Lenaar não foi o único a ativar a relíquia. A igreja nos países vizinhos também fez o mesmo, o que fortaleceu a bênção–e nos trouxe ao ponto número dois; aliança.

Parecia que o reino vizinho havia decidido se aliar a Lenaar.

Na guerra anterior, a iniciativa estava com Lenaar, então os países vizinhos apenas olhavam com cautela moderada–apenas garantiam que Lenaar não os ‘devorasse’ em seguida. Mas nesta guerra, talvez vendo que o poder de Lenaar estava enfraquecendo e a campanha da Ira parecia bem-sucedida, os países vizinhos aceitaram a proposta de aliança.

Por quê? Simplesmente, porque não achavam que a Ira iria parar com Lenaar se o reino caísse.

[Há magos bastante formidáveis em Selhat] disse Lesta; era um reino na fronteira oeste de Lenaar. [Vai ser irritante para esses lutadores]

Ah, certo. Os lutadores da Ira odiavam magos porque gostavam de se aproximar de seus oponentes, seja com armas brancas ou combate corpo a corpo. Enquanto magos…bem, eles atacam de longe, então os lutadores não podiam enfrentá-los ‘diretamente’. De fato, Natha uma vez me disse que a razão pela qual os demônios de Ira não me odiavam–ou melhor, Valmeier–era porque eu usava Alveitya como uma lança adequada e sempre engajava em combate corpo a corpo.

Preferência estranha, mas eu respeito isso.

“Diga a eles que vou mandar alguns escudos anti-magia,” Natha disse.

[Escudo…] Lesta hesitou. Todos sabíamos que esses lutadores não gostavam de escudos também. Tão exigentes, esses demônios da Ira.

“Apenas diga a eles para atravessar o ataque mágico com o escudo e socar os magos diretamente com os punhos.”

[Hm…pode funcionar]

A partir daí, a conversa ficou tão técnica–e honestamente desconfortável–que tive que parar de ouvir ou perderia o apetite. Obviamente, Mara gostava muito disso e continuava me dando mais porções para comer. Eu só voltei a prestar atenção quando o relatório parecia estar chegando ao final.

[Lamento ter que dizer isso, meu Senhor, mas…] Lesta hesitou por um momento, o que era incomum para ele. [Você pode precisar intervir diretamente desta vez. Como você sabe, este ki–o Senhor só ouve você]

Oh, talvez ele tenha hesitado porque sabia que eu também estava ouvindo.

Natha resmungou. “Às vezes.”

[Mais do que até os Anciãos aqui]

“Haa…” Natha suspirou pesadamente. “Não posso estar lá fisicamente.”

Como eu sabia que isso era por conta da minha condição, tentei dar uma concessão a ele. “Você pode ir uma ou duas vezes, sabe–”

“Não vou te deixar,” Natha respondeu rapidamente, olhando para mim com olhos incisivos.

Bem…

Pressionei os lábios para esconder o sorriso que se insinuava em meu rosto. Não podia mentir–enquanto eu realmente não me importava que ele se afastasse por um momento, uma ou duas vezes, me deixava feliz que ele ainda escolhesse a mim em vez do trabalho.

Eu o beijei depois disso, embora desejasse poder dar mais do que isso. Mas infelizmente–era impossível ir para debaixo das cobertas com meu mísero nível de energia. Como eu poderia ter energia para um orgasmo se demorava dez minutos para subir as escadas?

Ugh–já fazia semanas desde que tivemos algum momento de intimidade. Embora eu não tivesse energia para fazer nada, ainda era frustrante. Sendo o marido atencioso que ele era, claro que Natha não me pedia, mas mesmo assim…

Haa…

“Só de ver você ficar animado assim já me enche de satisfação,” ele disse como um sábio–ou um romântico clichê.

“Não minta!”

Ele riu e beijou o topo da minha cabeça. “Estou guardando isso,” ele sussurrou. “Vou cobrar sua dívida toda de uma vez mais tarde.”

“Ah é?” arqueei a sobrancelha.

“Ainda estou guardando um pouco daquele estimulador de energia dos nossos presentes de casamento.”

Agora estamos falando! Eu ri e o beijei novamente.

Bem…ele também pareceu ficar mais relaxado, talvez porque não estávamos mais enfrentando um grande muro. O muro ainda estava lá, mas parecia ser mais fácil de ultrapassá-lo.

Eu estava feliz…não queria que ele continuasse se culpando.

Além do fato de que eu ainda precisava de alguma assistência para me locomover, parecia que estávamos voltando à rotina. Natha estava relaxado o suficiente–e ocupado o suficiente–para ir ao escritório pela manhã, e vinha ficar comigo após o almoço. Ele visitava Shwa todos os dias conforme meu pedido, e eu não ouvia mais o choro de culpa triste.

Como substituto para visitar Shwa, eu passava mais tempo no futuro berçário–às vezes com Natha. A construção estava quase concluída e começamos a cuidar do interior. Antes de qualquer papel de parede ou mobília ser colocada, porém, precisávamos esculpir as formações mágicas nas paredes, janelas, pisos e tetos primeiro.

Normalmente, eu gostaria que Lesta pudesse fazer isso. Mas chamar o demônio de volta só para fazê-lo trabalhar em uma reforma parecia demais, então pedimos ao Tio Sol. Infelizmente, Tio Sol estava ocupado fazendo meu berço sob medida, então quem veio foi seu discípulo.

[Perdão pela minha incapacidade de arrumar tempo, mas o pedido do Jovem Mestre é mais complicado do que pensei inicialmente] disse Tio Sol através de um orbe de comunicação. [Mas não se preocupe; vou enviar o melhor em formações mágicas]

“Bem, já que é por conta do pedido de Valen,” Natha disse generosamente.

Ele disse isso, mas parecia estar satisfeito com a performance do discípulo. Eu não sabia muito sobre formação, mas este parecia muito calmo e profissional ao fazê-la, quase me lembrando de Lesta. O mago também não falava muito, além de confirmar o tipo de função que gostaríamos de incorporar na sala. Ele não investigava nem sondava sobre o que gostaríamos de usar nas salas.

Bem…Tio Sol provavelmente disse a ele para não sondar.

Se ao menos…

Se ao menos tivéssemos percebido que não sondar não significa que ele não poderia descobrir algo…