Capítulo 2026: Assuntos Internos (Parte 2)
Depois de algumas tentativas, Lith trocou de lugar com Solus, que descobriu não só como era difícil para seu núcleo lidar com aquele tipo de poder, mas também que ela ainda estava mais sintonizada com luz e terra.
Os outros elementos resistiam ao controle deles e não havia tempo para usar a Dominação.
O exercício continuou por horas até que mesmo os Despertados mais velhos estavam cansados. Lançar os feitiços sem conjurar seus efeitos não sobrecarregava seus núcleos, mas ainda exigia muita concentração.
“Por agora é o suficiente, garoto.” disse Hala. “Não temos ideia de quando o inimigo atacará e não podemos deixar você se esgotar antes mesmo de a batalha começar. Vá dar uma volta, beba um chá, faça qualquer coisa que ajude a recuperar sua força mental.”
Lith acenou adeus e saiu da sala, sabendo exatamente o que fazer. Pegou um dos pequenos Portões de Dobra que eram o núcleo do sistema de transporte público de Belius e foi para sua casa.
‘Na verdade, é o apartamento de Kamila, mas eu o considerava meu também desde que ela me deu as chaves.’ Lith notou que não havia selos na porta, seja mágicos ou físicos.
Ele esperava algum tipo de medida de segurança depois que Kamila desertou do exército, no caso de ela eventualmente voltar.
Mas ele não parou de se perguntar se os Reais haviam removido os selos após concordarem com o acordo ou se o apartamento simplesmente havia sido reassinado. Tudo em que Lith conseguia pensar era no alívio que sentiu quando a chave encaixou na fechadura.
Quando a porta se abriu, ele notou que, além da camada de poeira e do ar abafado, tudo estava exatamente como ele se lembrava.
‘Deuses, não consigo acreditar que Kami não mudou a fechadura mesmo depois de terminarmos. A última vez que estive aqui foi logo após a morte de Manohar, mas naquela época eu mal estava mantendo minha merda junta para tentar minha chave.’ Ele abriu as janelas para deixar entrar o ar fresco enquanto usava magia da água para lavar a poeira de cada superfície.
Limpar não era apenas por hábito. Lith amava aquele apartamento e vê-lo em um estado tão negligenciado simplesmente parecia errado.
‘O que é isso? Eu não me lembro de ter visto isso aqui antes.’ Solus apontou telepaticamente para um tronco de madeira perto da entrada.
Ele estava coberto por uma camada de poeira mais espessa do que o resto dos móveis, então Kamila deve tê-lo deixado ali mesmo antes de se mudar para o Deserto. Lith o abriu, descobrindo que continha todos os presentes que ele já havia dado a ela.
“Que porra é essa?” Sem pensar na hora ou se ela estaria ocupada com Jirni, Lith pegou o comunicador e a chamou.
“Eu estava prestes a te ligar. Acabei de saber que você foi designado para as forças de defesa de Belius. Onde você está?”
“No nosso apartamento, quero dizer, no seu-”
“Entendi.” Kamila desligou a chamada e passou pela porta apenas alguns segundos depois.
“Como você chegou aqui tão rápido?” Perguntou Lith, surpreso.
“O Portal logo fora da nossa porta, lembra?” Ela correu em direção aos braços dele, segurando-o com força. “Um dos privilégios de namorar um Arquimago.”
Então, percebendo que ele não retribuía o abraço, ela deu um passo atrás para olhá-lo nos olhos.
“O que há de errado, querido?”
“O que isso significa?” Ele apontou para o baú. “Por que você não trocou as fechaduras se estava prestes a jogar fora todas as minhas coisas?”
Kamila abriu os olhos, ela quase havia se esquecido disso.
“Isso está aí desde que a gente terminou. Eu não conseguia seguir em frente com a minha vida se toda vez que eu abrisse uma gaveta ou olhasse no meu armário, visse algo que me lembrasse você.” Ela respondeu:
“Eu sei disso. Quero dizer, por que você não levou para o Deserto?”
“Porque eu não sabia se você teria dito sim e não podia correr o risco de o exército perceber que havia sumido. Se fizessem e você me rejeitasse, eu não teria um lugar para onde voltar.” Ela baixou os olhos.
“Mas eu mantive as fechaduras, o baú e a impressão da Camellia porque nunca deixei de acreditar em nós. Eu só… precisava ser como Lith e ter um plano de contingência.”
“Você está certa. Desculpe por ser um idiota.” Ele a abraçou ternamente. “Mas o que você está fazendo aqui? Pensei que estava trabalhando.”
“Eu estava trabalhando. Você não percebeu que passei a noite em claro?”
Só então Lith percebeu que o sol estava nascendo no horizonte, espalhando uma luz avermelhada que mal filtrava através das altas muralhas e prédios de Belius.
“Uau. Sem sensibilidade.”
“Desculpe, é que eu me apressei aqui logo após os Reais me convocarem e depois fiquei ocupado praticando feitiços com Faluel. Eu perdi a noção do tempo.” Ele disse.
“Vou te perdoar só porque você limpou o lugar.” Kamila passou sua luva branca em várias superfícies, encontrando-as imaculadas. “Como eu estava dizendo, depois de trabalhar por dois turnos, Jirni me deu permissão para tomar café da manhã com você.”
Ela transformou seu uniforme em uma camisa solta e calças que deixavam apenas sua cabeça e mãos expostas. Em seguida, abriu sua pasta revelando que continha mantimentos em vez de documentos.
Lith esqueceu-se do baú e da batalha iminente, sentindo-se em casa novamente. Sentar na sala de jantar enquanto Kamila trabalhava no fogão fazia parecer apenas um dia normal quando ele era um Ranger.
“Eu sou quem está acordada há mais de 16 horas. Eu tenho que cozinhar e arrumar a mesa também?” Ela virou a cabeça em sua direção, fazendo beicinho em fingida indignação.
“Desculpe, querida.” Um estalar de dedos e uma fagulha de Magia do Espírito organizaram dois conjuntos de pratos e talheres na frente das cadeiras deles.
“O que você está fazendo?” ela perguntou.
“Minha parte?” Ele perguntou, confuso.
“Você deixou a Solus no Deserto?” Kamila franziu a testa, recusando-se a acreditar que ele pudesse ser tão estúpido.
“Não, ela está bem aqui.” Lith mostrou o anel de pedra em seu dedo.
“Então por que arrumar a mesa para dois se somos três?” Ela se afastou, mostrando que estava cozinhando uma porção extra de ovos e salsichas. “Solus vai precisar de força na batalha. Ela não pode lutar com o estômago vazio.”
“Eu não queria atrapalhar vocês dois.” A voz feminina saiu do anel de pedra. “Esta é a sua casa, não a minha. As únicas vezes que estive aqui foi quando Lith me trouxe com ele durante os primeiros encontros de vocês.
Solus ainda se lembrava de como Kamila ficara irritada quando soubera de sua existência e de como a intromissão de Solus nos momentos mais íntimos de suas vidas fora o motivo do término deles.
Ela temia que sua presença trouxesse de volta essas más lembranças e os fizesse discutir, estragando aquele momento de paz antes da tempestade.
“Do que diabos você está falando? Como a presença da minha esposa pode me incomodar?” Kamila riu. “Eu até trouxe doces da sua confeitaria preferida.”
Ela tirou um saco pequeno de sua pasta, espalhando o doce aroma de profiteroles ainda quentes.
“Você tem certeza?” O desejo de Solus pelos doces lutou contra suas inseguranças, mas perdeu miseravelmente.