Capítulo 1999: Harmonia da Dissonância (Parte 1)

A diferença entre um simples artefato e uma obra-prima estava na habilidade do Mestre da Forja de infundir sua criação com um núcleo de energia, um sistema circulatório de mana e vários conjuntos de runas externas.

Juntos, eles concediam a um objeto inanimado a capacidade dos seres vivos de produzir e controlar vários tipos de feitiços ao mesmo tempo.

A principal dificuldade em obter tal resultado provinha do sistema circulatório de mana, que era criado ao enxertar cristais de mana no recipiente do encantamento. Além de garantir o uso apenas de materiais purificados e escolher cuidadosamente onde colocar os cristais, o Mestre da Forja não tinha controle sobre a forma que o sistema assumiria.

Seria necessário um mago fazer inúmeras tentativas para encontrar uma maneira de criar o espaço que o núcleo de energia exigia no centro do artefato, sem também atrapalhar o posicionamento estrito que as runas exigiam para obter seu efeito máximo.

A Raiz da Terra resolveu todos esses problemas.

O que a tornava um ingrediente de valor inestimável era sua capacidade de criar um sistema circulatório de mana dentro de qualquer tipo de material antes que os cristais de mana fossem aplicados. Dessa forma, um Mestre da Forja poderia moldar o sistema circulatório de mana como quisesse, não importando quantos cristais de mana ou conjuntos de runas eles fossem empregar.

‘Faluel está certa. Não importa quantas vezes eu faça isso, nunca entendi por que não consigo criar um sistema circulatório de mana apenas com minha mana.’ Lith pensou. ‘Em teoria, o metal é apenas terra que foi purificada e rearranjada, mas assim como a magia da terra não afeta os metais, a mana também não os afeta por si só.’

‘Talvez seja porque, ao contrário da terra, a posição das moléculas dos metais é fixa. Suas ligações não podem ser alteradas sem destruir toda a estrutura.’ Solus ponderou.

‘Talvez a Raiz da Terra seja uma planta semelhante a um metal que nos fornece o que precisamos para rearranjar a posição dos átomos enquanto os mantém estáveis.’

O processo era longo e tedioso. Lith e Solus tinham que ter certeza de que, como um sistema circulatório sanguíneo, a mana chegaria a todos os cantos e frestas de seus golems. Um constructo não tinha nervos nem músculos, precisando de mana para se mover.

Uma área isolada do sistema circulatório de mana não teria flexibilidade, reduzindo bastante a mobilidade de um golem e sua eficácia em combate.

Ao mesmo tempo, porém, Lith e Solus também tinham que tomar cuidado para deixar espaços vazios suficientes onde colocariam os conjuntos de runas. Se a energia do sistema e a das runas se sobrepusessem, elas se chocariam até que uma delas fosse deformada e sua respectiva eficiência prejudicada.

Depois que Lith e Solus terminaram, Faluel estudou os Golems com sua técnica de respiração, Fluxo de Vida. Ela percebeu como eles haviam usado os remanescentes do sistema circulatório de sangue das criaturas como um andaime, fazendo a mana seguir os caminhos naturais de veias e artérias.

“Agradável trabalho. Por que não capilares, no entanto?” Ela perguntou.

“Essa é a função das runas.” Solus explicou. “Uma vez aplicadas à superfície, elas espalharão sua energia até alcançarem o sistema circulatório de mana. Assim, podemos usar uma ligação mental para enviar conjuntos complexos de instruções e até recarregar os Golems, se necessário.”

“Brilhante.” A Hidra concordou e saiu da sala.

“Eu morreria de inveja se você pudesse fazer isso à vontade.” Quylla suspirou. “Pena que você só tem uma Raiz da Terra. Não importa quantas tentativas leve, devemos garantir que esses dois filhotes sejam perfeitos.”

“Obrigado, meninas.” Lith fez sinal de positivo e os Distorceu para a Oficina onde começaram a praticar sua respectiva seção do núcleo de energia.

Só depois de estarem sozinhos, Lith e Solus aplicaram o cristal elemental primeiro e as runas depois. Um cristal negro, um azul e um vermelho substituíram os Olhos Malignos de Balor ausentes, enquanto simples cristais brancos foram embutidos nas costas do Vagrash.

Lith não fazia ideia de quais afinidades elementais a criatura tinha em vida, nem se seu cadáver ainda as retinha. Para não desperdiçar materiais preciosos, ele usou apenas um cristal negro e um vermelho.

‘Como os Golems são supostamente para usar minhas habilidades de linhagem e estas são minhas próprias afinidades elementais, até mesmo o Raptor deveria ser capaz de usar pelo menos o elemento fogo e escuridão.’ Lith pensou.

Os cristais se conectavam ao sistema circulatório de mana que haviam criado com a Raiz, usando a vasta quantidade de energia mundial que estava constantemente armazenada neles para fortalecer ainda mais o sistema.

‘Isso é incrível.’ A boca dos Solus se abriu surpresa. Entre o fluxo natural de energia do Adamant purificado, o sistema circulatório e os cristais, os Golems já desenvolveram uma aura semelhante à de um ser vivo com núcleo violeta.

‘Isso é um saco.’ Lith resmungou. ‘Ainda temos que aplicar as runas e o fluxo de mana já está tão forte. Um pouco mais e o núcleo de energia enfrentará mais resistência do que podemos suportar.’

‘Eu concordaria com você se fossemos apenas nós dois.’ Solus respondeu. ‘Mas desta vez temos muita ajuda e até uma arma secreta.’

‘Só posso esperar que você esteja certa.’ Lith teceu várias sequências de runas enquanto Solus só podia assistir e esperar.

‘Se eu fosse mais forte, poderia ajudá-lo.’ Ela suspirou intimamente.

Ela se lembrava das sequências de runas e de seu respectivo padrão até os menores detalhes, mas isso não importava diante de suas runas azuis. O poder que ela poderia imbuir era limitado pelo seu núcleo enfraquecido.

Lith recebeu o mesmo impulso da torre e seu núcleo era violeta, colocando-os em mundos à parte. Zangada consigo mesma, Solus verificou pela enésima vez se não haviam esquecido nada.

Os Golems seriam a peça mais complexa que já haviam criado e exigiam um enorme número de runas para serem capazes de suportar o núcleo de energia que haviam planejado.

O primeiro conjunto de runas místicas também era o mais importante porque carregava a assinatura de energia de Lith. Isso reduziria a rejeição que sua mana experimentaria ao infundir o núcleo de energia e converter a energia mundial em mana de Lith.

Assim, os Golems seriam imunes aos feitiços de Lith e vice-versa. Ele derramou tanta energia nas runas que Lith precisou usar Invigoração antes de seguir para o segundo conjunto, mas o resultado valeu o esforço.

Em questão de segundos, a mana das runas e a energia mundial liberada pelo Adamant e os cristais se fundiram lentamente até que não pudessem mais ser distinguidas.

Os dez conjuntos de runas seguintes exigiam muito menos foco e energia, mas Lith precisou usar Invigoração mais dez vezes para gravá-los.

O segundo conjunto amplificou a força do núcleo de energia, enquanto o terceiro dispersaria o excesso de energia durante uma luta total. Juntos, eles permitiriam que o Adamant canalizasse melhor a energia liberada pelos encantamentos e reduzisse o estresse que o núcleo de energia aprimorado sofreria.

Mesmo com o sistema circulatório de mana, aguentar muitos feitiços poderosos enfraqueceria o metal ao longo do tempo e faria os constructos sofrerem de sobrecarga de mana.

O quarto conjunto de runas permitiria aos Golems absorver mais energia mundial do que o normal para alimentar suas habilidades.