Escravo das Sombras - Capítulo 2439

Capítulo 2439: Céu e Inferno

O mundo estava em chamas.

A escuridão da noite foi banida, afastada por um abismo branco imaculado de luz incandescente. Os pedaços de pedra queimavam… as águas do vasto lago queimavam também. Partículas finas de poeira superaquecida permeavam o ar, transformando as ruínas que desmoronavam em uma fornalha inescapável.

O próprio ar queimava; o céu estava imerso em luz imolante, transformando tudo abaixo de sua vasta extensão sem misericórdia em cinzas.

O ilimitado oceano de chamas rugia, seus rugidos fundindo-se e derretendo-se para pronunciar uma ladainha de palavras…

Destruição. Ruína. Aniquilação.

Ao mesmo tempo, o mundo estava gélido e congelado, desprovido de todo calor.

O grande lago estava coberto de gelo, sólido. Geadas e neve cobriam as ruínas, pintando padrões sombrios no entulho de pedra. As pedras em si tinham se tornado fracas e frágeis, prontas para se romperem ao menor toque. Pequenos cristais de gelo flutuavam lentamente no ar frio, brilhando no pálido brilho da lua despedaçada.

Um silêncio profundo e mortífero envolvia as ruínas do colossal castelo… era um lugar completamente desprovido de calor e vida, um lugar onde a própria ideia de vida era estranha e abominável.

…O mundo havia sido rasgado em dois pelo confronto entre um Titã Supremo e um Demônio Amaldiçoado, suas metades irregulares lutando por dominação.

Nephis havia infundido sua Vontade indomável em suas chamas, incendiando o mundo. O inferno radiante que ela desencadeou era tão terrível que o próprio tecido da realidade se incendiou, e tudo ao seu redor queimou — mesmo as coisas que nunca deveriam queimar.

Ao mesmo tempo, a Abjuração rejeitava a chama. A monstruosa aberração se recusava a ser queimada e, ao fazê-lo, negava o próprio conceito de calor, transformando o mundo em um inferno congelado.

Dois mundos opostos foram criados do devastador confronto de suas Vontades, ambos existindo lado a lado como possibilidades — nem realizados nem totalmente abolidos, e por isso suspensos em um estado de rivalidade indeterminada.

Enquanto Nephis e Abjuração lutavam, suas Vontades tensionando uma contra a outra, um mundo ou outro tomava forma por um breve momento ou dois, tornando-se realidade. Então, o Demônio Amaldiçoado seria chamuscado e queimado — um batimento cardíaco depois, as chamas devorando seu corpo hediondo seriam extintas, e Nephis se veria de repente estrangulada por um frio insuportável.

‘Esta… vil… coisa…’

Ela cambaleava sob a pressão de lutar contra a Vontade e a autoridade insondáveis da divindade caída… de seu domínio insidioso sobre o conceito de recusa que ameaçava negar sua própria existência, muito menos sua capacidade de fazer o Demônio Amaldiçoado sofrer.

Ao mesmo tempo, ela tinha que lutar contra a própria abominação.

A assustadora floresta de membros esqueléticos causava estragos nas ruínas, exercendo uma força furiosa que fazia com que incontáveis toneladas de entulho de pedra se transformassem em poeira fina a cada momento.

Nephis já havia cortado dezenas de braços de Abjuração — a lâmina tecida de luz cortava facilmente a carne e os ossos do Amaldiçoado, incendiando os tocos sangrentos. Mas a abominação hedionda era poderosa demais e vasta demais, sua capacidade de torcer as leis absolutas a seu favor muito tirânica. Então, ela também não escapou de seu confronto furioso ilesa.

Cada vez que Nephis conseguia desferir um golpe, as mãos de Abjuração rasgavam sua forma flamejante. Os longos dedos da abominação enegreciam, e suas garras se quebravam no momento em que tocavam as chamas brancas… mas sempre, um pouco de calor era drenado de Nephis, tornando sua chama um pouco mais fraca, um pouco menos cortante.

Com cada golpe que recebia, sua reivindicação à existência se tornava um pouco mais tênue.

E havia algo muito mais aterrorizante acontecendo, também…

Havia bilhões de pequenas chamas conectadas à alma de Neph, amarradas a ela pelos laços de saudade. Elas eram como âncoras que a prendiam ao mundo e reforçavam sua existência… elas eram os súditos de seu Domínio.

Com cada golpe que recebia, essas chamas pareciam ficar um pouco mais tênues, também.

Foi quando Nephis percebeu o fato que ela sentiu algo que não sentia há muito, muito tempo…

Ela sentiu medo.

No início de sua batalha contra Abjuração, ela o havia encarado com desdém, certa de que o aterrorizante demônio não seria capaz de negar sua existência — porque teria que negar a existência de toda a humanidade com ela, também.

Mas agora…

O Demônio Amaldiçoado estava fazendo exatamente isso.

Bilhões de pessoas estavam conectadas a Nephis e a seu Domínio do Anseio, concedendo-lhe grande poder e um quase inesgotável oceano de essência espiritual. Mas essa conexão era uma lâmina que cortava dos dois lados.

Porque Nephis estava conectada à humanidade, um inimigo especialmente insidioso poderia alcançar o vazio escuro através dela, e seguir os raios de bela luz estelar até sua fonte. Aos humanos que foram inspirados por ela e que ela deveria proteger.

Abjuração… era um desses inimigos.

Este Demônio Amaldiçoado era antigo, poderoso e terrível. Tinha voado nos céus ilimitados como um dos Espíritos do Reino do Deus Sol antes de cair nos profundos abismos de Corrupção. Sobreviveu à Guerra da Ruína, sobreviveu ao Senhor da Luz, e passou milhares de anos se escondendo da radiação impiedosa do céu órfão na escuridão sufocante de Godgrave.

E agora, estava aqui, nas ocultas relíquias do Bastião Verdadeiro. Liberado de sob o abismo incandescente que o havia aprisionado, e livre para espalhar sua influência repugnante como desejasse.

Havia apenas um obstáculo em seu caminho…

Dois obstáculos, na verdade.

Estrela Mutável e o Senhor das Sombras.

E apenas uma delas estava aqui para enfrentar o Demônio Amaldiçoado agora.

Nephis banhou-se na agonia de seu Defeito, permitindo que ele purificasse sua mente e fortalecesse sua determinação. Ela reuniu sua chama… ela era a chama.

Sua alma continha o Fogo.

‘Eu preciso acabar com isso agora.’

Nesta batalha de Vontade, ela precisava querer acabar com o Demônio Amaldiçoado aqui e agora, querer acabar com ele tão intensamente que seu desejo ardente não pudesse ser negado.

Então…

Nephis mergulhou profundamente em seu coração, lembrando-se de cada razão que ela tinha para querer matar o inimigo, e cada razão que tinha para querer impedir o inimigo de matá-la.

Ser a última de pé.

E então, ela pronunciou um Nome que não tinha sido capaz de invocar antes.

Ela invocou o Nome da Paixão.