Escravo das Sombras - Capítulo 2020

Capítulo 2020: Um Homem Ganancioso

Pouco depois do primeiro chamado retumbante da trompa de guerra, outro ressoou, espalhando-se pelo campo de batalha como uma onda gigante. Sunny ficou momentaneamente impressionado com os preparativos logísticos que haviam sido feitos para travar essa guerra… afinal, não era fácil abafar o clamor ensurdecedor de uma batalha Transcendente.

Isso significava que ambos os exércitos tinham preparado ferramentas capazes de transmitir os comandos para centenas de milhares de soldados em confronto com antecedência.

Não era tão surpreendente, na verdade. Tanto Valor quanto Canção tinham rica experiência em subjugar regiões selvagens do Reino dos Sonhos, afinal. Eles saberiam como sinalizar para suas tropas quando sitiados por hordas de Criaturas do Pesadelo rugindo.

De qualquer forma…

Ele percebeu como estava cansado ao ver sua mente divagar.

O som de duas trompas contou a Sunny tudo o que ele precisava saber, no momento.

A primeira trompa viera da posição do Exército da Canção… o que significava que a batalha estava terminada, e que o Exército da Espada havia infligido ao inimigo uma derrota esmagadora.

A segunda trompa viera da direção do imponente Eco — talvez não fosse uma trompa, mas simplesmente o brado da criatura gigantesca. Seu significado também era bastante claro.

O Rei das Espadas estava ordenando que eles não perseguissem.

Com sua expressão escondida atrás da Máscara de Weaver, Sunny soltou um suspiro discreto de alívio.

Ki Song chamando para o recuo significava que os Santos do Exército da Canção foram derrotados, apesar da grande vantagem numérica. Bigorna ordenando que seus próprios Santos se retirassem… provavelmente significava que ele não desejava cruzar a linha final da Rainha ainda.

E que ele já estava satisfeito com o resultado.

‘…Nós vencemos, então.’

Sunny ainda não conseguia acreditar completamente.

Ele sabia que havia vencido, é claro. Também estava certo de que Nephis teria destruído sua cota de inimigos. Cassie estaria bem, também… ela sempre estava.

Mas, ainda assim. Vinte e três Santos derrotando o dobro de Transcendentes inimigos parecia… implausível.

Mas a prova era impossível de negar.

Em todo lugar que ele olhava, os peregrinos restantes estavam se virando e lentamente se afastando do campo de batalha.

Ele podia ver alguns Santos feridos cambaleando, também.

O que o levou a um dilema.

Ainda segurando a ponta de seu odachi no pescoço de Uivo Solitário, Sunny a encarou através dos olhos da Máscara de Weaver.

…O que ele deveria fazer agora que havia vencido?

O Chacal estava morto. A Domadora de Bestas e Ceres estavam inconscientes. Siord e o Santo da Tristeza estavam muito feridos para montar qualquer resistência. A Perseguidora Silenciosa estava no chão, três de suas encarnações acima dela com armas sacadas e prontas para atacar.

Uivo Solitário estava de joelhos, à sua mercê.

Ela não estava se movendo, apenas o encarando de baixo com derrota, medo e fúria amarga queimando em seus olhos selvagens. Seu rosto estava pálido e ensanguentado, e ela estava rangendo os dentes para suprimir um gemido de dor.

‘Devo simplesmente deixá-los ir?’

Parecia bastante injusto deixar sua presa ir embora. Nada iria impedir esses Santos de se recuperarem e se juntarem à próxima batalha, afinal…

Ao mesmo tempo, Sunny não poderia simplesmente fazer deles prisioneiros. Como ele deveria prender Santos? Mesmo se os amarrasse e os trancasse no Templo Sem Nome, eles poderiam simplesmente fugir de volta para o mundo desperto. Nenhuma quantidade de correntes e cadeados poderia detê-los.

Ele tinha certeza de que Bigorna poderia. O Rei das Espadas havia aprisionado Orum, afinal… então, havia algum tipo de prisão rúnica já estabelecida aqui em Godgrave.

Mas Sunny realmente queria entregar reféns de sangue real ao Soberano?

De jeito nenhum. Se ele fizesse isso, seria responsável por qualquer atrocidade que Bigorna decidisse perpetrar contra os prisioneiros.

Então, Sunny só tinha duas escolhas.

Ou terminar com os Santos derrotados aqui e agora… ou deixá-los ir.

E ele não os tinha mantido vivos apenas para massacrá-los uma vez que a batalha estivesse terminada.

É claro… Uivo Solitário e o resto dos Santos de Canção devem ter pensado de maneira diferente.

Julgando pelos olhares deles, pareciam estar sob a ilusão de que Sunny era algum tipo de monstro profano.

Não, sério… eles tinham que olhar tão petrificados?

‘Tudo isso depois de eu ter me esforçado para ser gentil…’

Balançando a cabeça mentalmente, Sunny suspirou, então retraiu seu odachi e apontou na direção do distante Exército da Canção.

Quando ele falou, sua voz era fria e indiferente:

“…Vão embora.”

Uivo Solitário o encarava, seu rosto ensanguentado ficando ainda mais pálido.

Estranhamente, ela não fazia nenhum movimento para se levantar dos joelhos.

Em vez disso, rangia os dentes ainda mais forte, e então cuspiu:

“Por que… está nos deixando ir?”

Sunny olhou para baixo para ela, sentindo-se perplexo.

Ele já estaria correndo no lugar dela.

Ainda assim, ele tinha que inventar uma resposta…

Culpar tudo novamente em Nephis seria imprudente — o Rei das Espadas poderia muito bem estar ouvindo, afinal, e saber que sua filha secretamente ordenou que seu lutador mais poderoso poupasse as elites inimigas poderia muito bem causar sérios problemas no futuro.

E após hoje, não haveria dúvida de quem era o membro mais poderoso do Exército da Espada fora da família real, sem dúvida.

Então, o que Sunny deveria dizer?

…Felizmente, essa encarnação dele estava usando a Máscara de Weaver.

Eventualmente, ele deu de ombros e respondeu de maneira uniforme:

“Sou apenas uma lâmina contratada. Minha paga é alta, mas não alta o suficiente para começar uma rixa de sangue com a Rainha da Canção.”

O que significava…

‘Você é uma princesa, e eu sou um simples mercenário. Não sou louco o suficiente e não vou me dar ao trabalho de matar as filhas de Ki Song, dando assim a ela um motivo para me caçar pessoalmente!’

Pensando bem, isso também implicava que Sunny realmente estaria disposto a fazer algo assim se a paga fosse suficientemente alta.

Ele esperava que Uivo Solitário não percebesse isso.

Ela o encarou por alguns momentos, então de repente soltou uma risada amarga e oca.

“Então essa é a razão? Eu não posso… não posso acreditar. Uma lâmina contratada! O desfecho da batalha, o destino do mundo inteiro… pode depender de algo tão mesquinho quanto a ganância de um homem?”

Sunny a olhou em silêncio por um tempo.

Então, ele inclinou a cabeça para trás e riu.

Sua risada soou estranha e sinistra, espalhando-se pelo campo de batalha devastado como um vento gelado.

“Por quê? Você acha que somos tão diferentes assim?”

Balançando a cabeça, ele olhou para a princesa ajoelhada e acrescentou com um toque de desdém em sua voz calma e fria:

“Não. O Rei da Coragem, sua mãe, e eu… somos exatamente iguais. É só que eles são gananciosos por coisas mais sem sabor.”

Com isso, Sunny deu um passo atrás e se dissolveu nas sombras.

Uivo Solitário ficou de joelhos, sozinha.

O eco de sua risada sinistra e de suas palavras incisivas ainda ecoando em seus ouvidos.