Escravo das Sombras - Capítulo 1982

Capítulo 1982: Convite Aberto

Não havia espelhos no verdadeiro Bastião. Mesmo o Grande Espelho que Morgan havia usado para trocar o reino ilusório pela realidade só existia dentro da ilusão.

E isso tinha um bom motivo.

Os Outros.

Reflexos tinham uma mente própria no verdadeiro Bastião. Havia seres estranhos, alienígenas e angustiantes habitando os espelhos aqui, e eles às vezes podiam entrar no mundo real sem serem convidados.

Morgan não sabia os detalhes, mas sabia que sua família tinha sofrido muito, e pagado caro, por reivindicar a fortaleza do Demônio da Imaginação no passado distante. Esse tópico era um tabu que nem mesmo os anciãos se atreviam a discutir.

Tudo o que ela sabia era que o Grande Espelho tinha que estar coberto o tempo todo, e que era preciso ter cuidado com superfícies reflexivas no verdadeiro Bastião — especialmente com o lago em si. Havia um conjunto de regras a seguir aqui e um conjunto de proibições a respeitar, caso contrário, corria-se o risco de perder a vida e colocar a vida dos Outros em perigo.

E, mesmo assim, muitos dos Cavaleiros de elite que foram autorizados a vir aqui ainda pereceram de maneiras aterradoras.

A própria Morgan era um pouco diferente, porque foi forçada a enfrentar e matar seu próprio reflexo não muito tempo depois de se tornar uma Desperta — seu pai a escoltou até o Grande Espelho pessoalmente naquele dia e assistiu à batalha até que tudo estivesse terminado.

Aquele rito de passagem foi… uma experiência bastante memorável para ela.

Então, ela propositalmente deixou o Grande Espelho descoberto hoje, convidando os Outros a se aproximarem.

Obviamente, isso tornava as ruínas do castelo antigo assustadoramente perigosas para Morgan e seus seis Santos.

Mas seria muito mais perigoso para seu irmão, o Príncipe do Nada, sem sombra de dúvida.

Afinal, a maioria de seus poderes tinha a ver com espelhos. Ele até carregava um pequeno Domínio do Espelho em sua alma — algo que tornava todas as tentativas de defender uma posição fortificada contra ele inúteis, já que ele podia contornar quase qualquer fortificação facilmente, pulando entre os reflexos.

No entanto…

O verdadeiro Bastião era um dos poucos lugares no mundo — talvez o único — onde a autoridade de seu irmão sobre os reflexos não ficaria sem oposição.

As poderosas Criaturas do Pesadelo que habitavam a floresta eram uma ameaça para ele, mas os seres fantasmagóricos que viviam do outro lado dos espelhos eram infinitamente mais perigosos.

Afinal, eles podiam entrar em seu domínio, interceptá-lo quando ele pulava entre os reflexos, sentir seu olhar quando ele espionava através dos espelhos, e fazer muitas coisas que nem Morgan nem Mordret podiam sequer imaginar.

Seu irmão teria que enfrentar os verdadeiros espectros dos espelhos aqui.

Esse era o maior obstáculo que se colocava entre ele e a conquista do Bastião.

É claro, havia alguns outros.

Como o arranjo rúnico que seu pai havia esculpido nas ruínas para protegê-las dos inimigos do Clã Valor — e de seu irmão monstruoso, em particular.

Ou as Espadas Sentinelas que ele havia deixado para trás.

Ou a influência insidiosa da lua despedaçada, sobre a qual quase ninguém sabia.

Esse era o campo de batalha terrível que Morgan havia preparado para empilhar todas as vantagens possíveis a seu favor.

O inimigo era muito forte e, portanto, ela precisava ser tanto engenhosa quanto disposta a arriscar tudo.

Com sorte, isso seria suficiente para atrasar seu irmão tempo suficiente para o Domínio Song cair…

Mas, é claro, Morgan queria mais do que isso. Ela tinha ambições maiores do que simplesmente servir como seu contraponto.

Ela queria vencer.

Ela queria vencer e apagar a vergonha de sua derrota lamentável na Antártica, para que não precisasse pensar nisso novamente e nunca mais sentir medo.

‘…Seu desgraçado.’

Sorrindo sombriamente, Morgan subiu pela parede desmoronada da fortaleza em ruínas e olhou para o lago iluminado pela lua.

***

Isso havia acontecido… há eras.

Os eventos se desdobraram exatamente como Morgan havia antecipado, embora ela adorasse estar errada pela primeira vez.

Não muito tempo depois que o verdadeiro Bastião substituiu seu gêmeo ilusório, Mordret atacou das profundezas da floresta escura.

Eles não sabiam o quanto ele era sufocado pela presença dos Outros, exatamente, mas seu poder definitivamente havia diminuído bastante em comparação ao Portão do Rio — ele parecia relutante em usar seus poderes frequentemente, como se receoso de algo, e sua usual onisciência foi substituída por dúvida.

Ainda assim, seu irmão era um demônio, e ele definitivamente não carecia de determinação. Aquela primeira batalha foi tanto intensa quanto aterradora, testando os limites de sua resolução e resistência mental.

O Lago do Espelho ferveu enquanto os três Santos restantes da Casa da Noite, os servos do Príncipe do Nada, e as terríveis Criaturas do Pesadelo que habitavam as profundezas se enfrentavam em uma tempestade frenética de violência. A água do lago teria ficado vermelha se não estivesse pintada de preto pelo véu da noite, e ondas altas atacavam sua margem.

Os três Santos do governo e a própria Morgan defenderam os quatro lados da fortaleza em ruínas. As paredes desmoronadas estremeceram e gemeram, às vezes colapsando em pilhas de escombros, e a edificação escura do reduto quebrado se erguia acima deles como uma lápide.

Uma tormenta de forças aterradoras foi desencadeada, fazendo Morgan sentir um raro momento de alívio por sua decisão de esconder o Bastião ilusório no Grande Espelho.

Se ela não tivesse feito isso, os danos colaterais causados pela batalha titânica entre a população civil da cidade teriam sido incalculáveis.

Aquela primeira batalha durou um tempo, mas eventualmente ficou claro que nenhum dos lados seria capaz de alcançar uma vitória decisiva. É claro, Morgan e seus Santos ainda eram inferiores ao inimigo em termos de números puros… o que era uma coisa engraçada de se dizer, considerando que o inimigo era um único homem.

Ainda assim, eles tinham a vantagem de estar do lado defensivo — e não apenas isso, mas de serem os defensores de uma fortaleza projetada especificamente para proteger a Família Valor de seu descendente monstruoso.

Atado pela ameaça fantasmagórica dos Outros e limitado pelo arranjo rúnico gravado nas paredes do castelo antigo, Mordret não podia confiar em seus poderes bizarros e truques intermináveis. Ele estava mais ou menos limitado a usar apenas habilidade e força bruta para destruí-los, e embora sua força não fosse de forma alguma insuficiente, Morgan e seu grupo também eram bastante poderosos.

Na verdade, alguns deles eram o epítome do poder.

Morgan, a Princesa da Guerra. O gelado e belo espectro, Ceifador de Almas Jet, conhecido e temido pela maioria dos Despertos. Santa Athena, Criada por Lobos — uma verdadeira deusa da guerra que liderara seus guerreiros em um cerco desesperado na Costa Esquecida, e havia se tornado mais forte e heroica desde então. Santo Kai, o Matador de Dragões…

E os três últimos Santos de um Grande Clã caído, que ardiam com o desejo de vingar seus parentes.

Foi uma batalha épica. Na verdade, foi exatamente o tipo de batalha sobre a qual as pessoas cantariam séculos depois… era apenas uma pena que ninguém estivesse lá para testemunhar e contar a história.

Talvez se Rouxinol pegasse o microfone mais uma vez…