Escravo das Sombras - Capítulo 1938
Capítulo 1938: Despossuído
Orum levou alguns dias para organizar seus assuntos e se preparar para partir para o Portão do Rio. Ele não era um pilar da humanidade de nenhuma maneira, mas ainda era um homem muito rico — mesmo se o pior acontecesse, sua irmã e seus filhos não sofreriam por falta de nada. Eles compartilhavam sua alta posição no controverso sistema de cidadania estabelecido pelo governo há alguns anos, também.
Isso dito, Orum não planejava morrer em algum canto abandonado do Reino dos Sonhos a caminho do Palácio de Jade. Ele não era arrogante, mas confiava em si mesmo. Despertos experientes como ele eram raros — no mundo todo, talvez existissem apenas algumas dezenas.
Ele não apenas havia sobrevivido, como também prosperado durante os dias mais sombrios da humanidade. Então, a Magia do Pesadelo teria que trabalhar muito para derrubá-lo.
Deixando seu corpo em uma cápsula para dormir e caminhando pelos portões de sua Cidadela, Orum viajou para o sul. Cruzar a selva o fez recordar seus dias mais jovens, mas ele não permitiu que a nostalgia o tornasse complacente. Algumas semanas depois, ele chegou às margens de uma floresta antiga.
Sua armadura tinha alguns arranhões, e havia fragmentos de alma espalhados em sua matilha. Um rastro de abominações mortas ficou em seu caminho.
A floresta, no entanto… a floresta era um tipo inteiramente diferente de fera. Adentrá-la sozinho era simplesmente pedir para ser engolido por ela.
Então, Orum montou acampamento e esperou um pouco. O mar de folhas farfalhava à distância, e o rio próximo murmurava enquanto fluía para o sul, desaparecendo entre as árvores altas.
Ele passou uma noite inquieta em sua margem. No dia seguinte, um barco danificado surgiu de algum lugar rio acima, e Orum aproveitou a oportunidade para enfrentar a correnteza forte e embarcar — a tripulação ficou surpresa ao vê-lo, mas feliz por ter outra Lâmina Despertada com eles para o último e mais perigoso trecho da jornada.
O rio estava repleto de Criaturas do Pesadelo, mas ainda era mais seguro do que a sombria extensão da floresta. Assim, a menos que alguém tivesse uma coorte de cavaleiros do Guardião escoltando-os, preferiam viajar pela água.
Orum chegou ao Lago do Espelho, trocou de barco no Bastião e continuou seu caminho para o Portão do Rio.
Quando encontrou Pequena Ki lá, já carregava um bom número de fragmentos de alma.
“Aqui. Pegue… quanto mais saturado seu núcleo estiver, mais fácil será para nós viajarmos.”
A jovem mulher pegou os fragmentos silenciosamente e os esmagou um por um com o punho.
Eles estavam atualmente no salão de jantar do Portão do Rio. Havia uma pequena multidão de Despertos fazendo uma refeição ali — alguns deles guerreiros servindo a Jest, outros simplesmente pessoas ancoradas na fortaleza antiga.
O mestre da Cidadela, felizmente, não estava em lugar algum. Agora que Bigorna havia Despertado, os antigos camaradas de seu pai — aqueles que ainda estavam vivos — provavelmente estavam ocupados orientando o jovem homem na caça às Criaturas do Pesadelo na selva, tanto para saturar seu núcleo quanto para ajudá-lo a ganhar experiência. O Guardião tinha grandes esperanças para seu filho mais jovem.
Orum olhou para Pequena Ki em silêncio.
Ela estava vestindo uma armadura de couro preto encantada, tentando aparentar calma e confiança. No entanto, ele sabia que ela provavelmente estava desorientada e com medo. Leva tempo para se acostumar ao Reino dos Sonhos… e a maioria das pessoas nunca se acostuma.
Aqueles como ele que se sentiam em casa ali eram a minoria.
Ele hesitou por alguns momentos.
“Por que você realmente quer ir ao Palácio de Jade? Está planejando se vingar da Criatura do Pesadelo que matou sua mãe? Se for isso… certo, vamos fazer isso. Mas teremos que ter cuidado. Coração do Corvo era forte, então, se aquela coisa conseguiu matá-la, teremos trabalho pela frente.”
Ela fez uma pausa por um momento, então balançou a cabeça.
“Não. A Criatura do Pesadelo… já está morta. Mamãe a matou antes de sucumbir aos seus ferimentos.”
Orum levantou uma sobrancelha.
“Por que, então?”
Pequena Ki lançou a ele seu olhar sombrio de sempre e permaneceu em silêncio por algum tempo.
Eventualmente, ela disse:
“Ela arranjou para que a Cidadela se tornasse minha, caso algo acontecesse com ela. Os tios e as tias que vivem lá… eles deveriam cuidar de mim e realizar sua vontade.”
Orum franziu a testa, já suspeitando do que havia acontecido.
“Mas eles não fizeram isso?”
Ela sorriu sombriamente.
“Não. Eles pegaram os fragmentos e Memórias que ela separou para mim, e também tomaram a Cidadela. Disseram que entregariam de bom grado para mim se eu Despertasse e reivindicasse a propriedade do Palácio de Jade.”
Orum suspirou. Claro, eles haviam dito isso — sabendo muito bem que o Reino dos Sonhos era vasto e que as chances dela chegar viva naquele lugar remoto eram muito pequenas. Uma jovem garota sem conexões não ousaria viajar longe pela selva, em primeiro lugar.
Governar uma Cidadela era tanto prestigioso quanto lucrativo, então o recém-abandonado Palácio de Jade certamente incitaria a ganância das pessoas.
Eles subestimaram, no entanto, a determinação de Pequena Ki.
Assim como suas conexões.
Ele balançou a cabeça e perguntou em tom profissional:
“Qual é sua Habilidade Despertada?”
Ela hesitou por alguns momentos.
“…Eu posso animar objetos inanimados e controlá-los como marionetes.”
Orum considerou essa Habilidade por um momento. Soava útil… quase como se Pequena Ki pudesse criar Ecos substitutos sem realmente recebê-los do Feitiço. Claro, ele teria que ver o quão poderosas eram suas marionetes e quão bem ela podia controlá-las em uma luta.
Um marionetista era uma existência bastante assustadora, no entanto. Orum havia enfrentado algumas abominações com poderes semelhantes no passado, e cada vez havia sido um verdadeiro pesadelo.
Ele assentiu.
“E quanto ao seu Defeito?”
A jovem mulher o encarou em silêncio.
“…Eu não vou dizer.”
Orum riu.
“Bom. Eu teria parado você se tentasse. Nunca revele seu Defeito para ninguém, garota. Nem mesmo para sua família.”
Ela continuou encarando-o com a mesma expressão.
“Eu não tenho uma família.”
Ele escondeu sua dor e desconforto atrás de um sorriso.
“Bem, você terá. Espero que um dia em breve.”
Diante disso, sua expressão mudou sutilmente, tornando-se ainda mais sombria.
Eles partiram do Portão do Rio no dia seguinte, viajando de barco até as margens do Tempestmar.
Lá, um grande navio já os aguardava — Orum havia usado suas conexões e arranjado passagem para oeste para si mesmo e Pequena Ki. Apesar de conhecer a capitã, contratá-la havia lhe custado uma fortuna.
Logo, o navio zarpou e mergulhou nas neblinas perigosas do nebuloso oceano.