Capítulo 435: Ava: Mais Forte

As chamas lambem o céu noturno, consumindo nossos mortos. Cada língua de fogo carrega um nome, uma história, uma vida interrompida. Os uivos dos meus lobos perfuram o ar, crus de tristeza, e o peso da dor deles se assenta profundamente em meus ossos.

A voz de Selene é um sino claro através da névoa da exaustão. Você precisa descansar.

A fumaça arde em meus olhos. Ou talvez sejam lágrimas. “Todos já voltaram para Wolf’s Landing?”

A maioria voltou. Só as famílias permanecem.

“E Lisa?”

Kellan a levou para casa.

Havia algo nela esta noite, algo estranho. Em certo momento, ela até se afastou do seu lugar; Selene foi quem alertou os guardas dela. Talvez eu devesse ter insistido para que ela ficasse em sua cabana durante a noite. “Você notou algo estranho nela?”

Humanos reagem de maneira diferente à dor do bando. Selene esbarra na minha coxa. Mesmo aqueles que viveram entre nós lutam quando centenas de lobos canalizam suas emoções de uma vez só. A energia pode ser avassaladora.

Uma lembrança surge — indesejada, espontânea. Uma multidão de lobos transformados me cercando, seus olhos brilhantes na escuridão da noite. O medo que acompanha tal visão… Já não tem mais o mesmo efeito sobre mim, mas ainda consigo lembrar dos meus dias em Blackwood. “Você está certa. Às vezes esqueço, como pode ser intenso.”

Me afastando das piras, caminho em direção a Wolf’s Landing. Meus guardas seguem atrás, e me pergunto se eles tiveram tempo suficiente para lamentar. Eles estavam silenciosos durante a maior parte da cerimônia, mais atentos à minha segurança do que aos ritos.

A maioria dos Fae já se foi, provavelmente em busca de calor. Eles não parecem gostar deste frio. Apenas dois permanecem para manter a barreira, sua magia contendo nossos uivos de luto dentro destes terrenos.

A sensação da magia deles é diferente da minha, mas familiar; é surpreendente sentir uma vaga saudade da Ala dos Fae. Não um lugar que foi lar, mas um dos únicos dois lugares em que vivi como Ava. Apenas Ava.

A vida parecia tão difícil então, mas é nada comparada à responsabilidade que me sobrecarrega agora.

Você precisa dormir, observa Selene, mantendo o passo comigo enquanto seu corpo peludo continua esbarrando em minha coxa.

“O que eu preciso é—” Minha voz desaparece, se esvaindo num longo suspiro. Do que eu preciso? Lucas, seguro e em casa. Nosso bando inteiro novamente. A capacidade de voltar no tempo e salvar aquelas vinte e sete almas. A força para tomar conta do nosso futuro. “Eu preciso ser mais forte.”

Você é forte.

Mas agora, com as últimas piras queimando contra o céu noturno, consigo apenas cerrar meus punhos enquanto sigo meu caminho para casa.

Mais forte.

Eu preciso de poder. O suficiente para não mais me sentir com medo quando um monstro louco ataca nosso lar — para não sentir a necessidade de fugir e me sacrificar como a única outra opção.

Oh? Grimório tem estado em silêncio o dia todo; luto não é algo com o qual ele mexa muito, e ele achou as emoções de hoje exaustivas. Que fascinante. Sua vontade foi temperada.

Ela sempre teve uma vontade forte, retruca Selene. É o auto-respeito dela que está faltando.

Ai.

Minhas têmporas latejam enquanto Grimório e Selene continuam seu vai e vem. As luzes de Wolf’s Landing cortam a escuridão à frente, mas meus pés desaceleram no caminho de volta à minha cabana.

Eu quero verificar como Lisa está, mas… Não. Ela está com Kellan. A última coisa que ela precisa é de mim rondando quando finalmente está passando um tempo com o companheiro dela. Eles até podem estar na cama, e isso seria uma situação constrangedora se eu batesse na porta deles.

Por que a preocupação com a humana? A voz de Grimório contém genuína curiosidade.

Os pelos de Selene se arrepiam. Você não estava prestando atenção?

Funerais não são minha forma preferida de entretenimento.

Um rosnado baixo emana do peito de Selene. Vinte e sete do nosso bando morreram.

E eu lamento a perda de Ava. Mas assistir seus corpos queimarem não me traz paz.

A porta da minha cabana range ao ser empurrada para abrir. A escuridão me recebe, junto com um silêncio que ecoa a ausência de Lucas. Nenhum calor permanece nessas paredes esta noite, apenas memórias do que deveria ser.

Não demora muito para eu avivar o fogo residual numa forte chama, mas o brilho caloroso nada faz para afastar o vazio. “Lisa parecia deslocada durante os ritos. Ela se afastou um pouco em um momento. Quase me deu um infarto.”

Entendo.

“Deve ter sido difícil ouvir todo aquele barulho e estar cercada por centenas de lobos. Mesmo sabendo que está segura com o bando, o corpo dela provavelmente queria fugir.” É um sentimento com o qual estou muito familiarizada.

Mas você não fugiu, aponta Grimório.

Meus lábios se torcem num sorriso. Grimório pode ser capaz de ler minhas memórias, mas parece não entender minha vida antes de nos encontrarmos. “Sim, eu fugi. Eu sempre fugi. Sempre foi sobre sobreviver.”

Engraçado; eu queria ser mais forte também, mas era diferente. O tipo de força onde eu apenas poderia sobreviver um pouco mais facilmente; isso era tudo o que eu sempre desejei. O rosto de Todd Mason passa pela minha memória, e aquela bela noite iluminada pela lua do dia em que o matei. A noite em que Lucas me salvou.

Que memória fascinante, diz Grimório, e eu posso sentir ele vasculhando mais na minha cabeça.

Um resmungo me escapa enquanto lembranças de Cedarwood vêm à superfície. O Novel Grind. Meu pequeno apartamento. A vida que eu esculpi para mim mesma, pensando que finalmente estava livre. Eu sempre sentirei saudades, mas… “Eu pensei que era o fim de tudo quando eles me arrastaram de volta para Blackwood. Eu estava tão desesperada para voltar.”

Parece tão distante agora.

Você percorreu um longo caminho desde aquela garota aterrorizada. Selene se acomoda perto do fogo, enrolando-se numa pequena bola de pelo husky. Embora você ainda seja a mesma em vários aspectos.

Meu corpo afunda nas almofadas do sofá, cada músculo doendo dos eventos do dia. O fogo projeta sombras dançantes no teto, e eu traço seus padrões com olhos cansados.

Oh, isso é interessante. A presença de Grimório flutua pela minha mente, escolhendo memórias como páginas de um livro. Seu irmão te empurrou escada abaixo.

“Eu tinha sete anos. Estava com gripe e não estava me movendo rápido o suficiente.”

Seu pai te jogou na floresta e te deixou lá?

“Ele queria que eu encontrasse meu lobo.”

Selene resmunga.

Que família terrível. O número de ‘acidentes’ na sua infância é preocupante.

Uma risada brota, me surpreendendo com o quão oca soa. “Sabe do que é triste? Estou muito exausta para sequer ficar brava com tudo isso.”

Sua família inteira é profundamente problemática.

A presença de Grimório se acomoda na minha mente, e eu sinto que ele terminou de olhar para o meu passado. Então, o quão séria você está sobre ficar mais forte, minha pequena amiga bruxa?

O olho de Selene se abre diante do non sequitur dele. O que você está tramando, livro?