170: Maldade 170: Maldade “Pequena Mestra, você prefere usar o prendedor de cabelo com adornos de flor de osmanthus hoje? Esta serva acha que ele vai realçar seu belo traje amarelo.”

Wu Yusi olhou para cima ao ouvir as palavras insinuantes de sua criada. Era muito cedo para tomar essas decisões, pensou ela, com amargura. O clima estava se tornando progressivamente mais frio à medida que os dias se arrastavam, e embora estivesse quase no final da hora do coelho[1], as lanternas em seu palácio lateral ainda estavam acesas, pois o céu lá fora permanecia escuro. Ela não queria nada mais do que se aconchegar de volta em seus cobertores e se proteger do frio que se instalara em seus aposentos com o início do final de outono, mas não tinha direito a tal luxo. Ao contrário das consortes, que tinham o privilégio de ir às assembleias do harém escoltadas por uma liteira e atendidas de cima a baixo por todo o seu séquito, Wu Yusi, uma mera atendente de segunda classe, tinha que acordar ao amanhecer para se arrumar antes da longa caminhada até o decadente Palácio Aiyun, do qual ela só podia sonhar em morar.

Realmente não era justo. Quase um ano tinha se passado desde que ela entrou no palácio interno e ela podia contar nos dedos de uma mão quantas vezes tinha visto o imperador. Para ele, esse homem que ela tinha acreditado que se apaixonaria profundamente por ela assim que tivesse a chance de mostrar o quanto era desejável, ela ainda era uma insignificante. Talvez não mais do que uma representante dos velhos clãs nobres que ele tinha que manter no harém como um vaso de flores, uma decoração inconsequente para apaziguar o tribunal da manhã.

Se não fosse por aquela escrava sorrateira, nada disso teria acontecido. Apenas uma criatura inculta de criação grosseira seria insensível o suficiente para monopolizar os afetos do imperador. Quando seu plano desse frutos e Sua Majestade perdesse o interesse na escrava Yan, ela estava confiante de que poderia fazer com que ele a olhasse duas vezes. Afinal, ela não perdia para as outras em beleza ou status familiar.

“Pequena Mestra? Este prendedor de cabelo a desagrada?” Não tendo recebido uma afirmação para a escolha de acessórios para o dia, a voz da criada de Wu Yusi tremia de nervosismo. Isso trouxe um pequeno grau de satisfação a Wu Yusi; é assim que os escravos devem se comportar diante daqueles com autoridade. Esse é o respeito e o medo que ela, a única filha legítima do chefe de um velho clã nobre, merecia invocar naqueles abaixo dela. Um dia em breve, ela mesma ensinaria essa lição à escrava Yan.

Seus devaneios não melhoraram seu humor por muito tempo, no entanto. O espelho de bronze em sua penteadeira exibia apenas seu reflexo embaçado diante dela. Nele, ela não podia discernir suas características marcantes ou distinguir a qualidade luxuosa de seus ornamentos e roupas daquelas de sua criada. Isso trouxe um nó sufocante em sua garganta, seu peito tão apertado com a insatisfação fervendo dentro dela que ela desejou nada mais do que se virar e estrangular sua criada até a morte. Como ousa essa insolente ultrapassar seus limites? quem deu a ela o direito de aparecer no espelho quando sua senhora estava utilizando-o?

A duração de uma vara de incenso mais tarde, Wu Yusi partiu apenas com seu eunuco a reboque; trazer uma criada com as bochechas inchadas era impensável. Ninguém queria ver a desgraça absoluta que era uma serva desobediente e Wu Yusi certamente não tinha a intenção de se tornar o motivo de chacota do harém.

Quando ela chegou ao Palácio Aiyun, o sol estava começando a surgir no horizonte e a maioria das outras concubinas já estava presente, incluindo a Concubina Imperial Hui. Wu Yusi ignorou os murmúrios repreensivos que a repreendiam por chegar mais tarde que aquelas de hierarquia superior, mas ela permaneceu imperturbável, com preguiça de discutir com essas almas amargas. A Família Wu pode não ter mais tanto prestígio quanto tinha em seus tempos áureos, mas enquanto um édito imperial renunciando aos velhos clãs nobres não fosse entregue, ninguém poderia roubar a glória da Família Wu. O que importava para ela se essas outras concubinas de baixa categoria estavam com ciúmes o suficiente para lançar aspersões sobre ela? Elas não viam que mesmo a Concubina Imperial Hui, cujo palácio Wu Yusi estava afiliada, fazia vista grossa para seu comportamento e até mesmo era cortês com ela e a mimava como uma irmãzinha? Até mesmo Zhang Qian, que já foi a favorita da Concubina Imperial Hui, teve que abrir espaço para Wu Yusi. Embora, dado o quão embaraçosa Zhang Qian tinha sido para si mesma e para o Clã Zhang com suas travessuras infantis e pouco polidas, Wu Yusi não podia culpar a Concubina Imperial Hui por querer se dissociar da garota tola. Nem mesmo as conquistas de seu irmão no tribunal da manhã poderiam redimir seu valor. Ela era nada comparada a Wu Yusi e, portanto, não era uma ameaça.

Como para provar seu ponto, a Concubina Imperial Hui olhou para cima quando Wu Yusi entrou e deu-lhe um sorriso caloroso.

“Aí está você, Irmãzinha,” ela disse com um brilho travesso em seus olhos. “Esta concubina estava apenas dizendo à Grande Irmã Nobre Consorte Dou que o tempo está tão frio esses dias, é muito rigoroso esperar que nossas jovens e delicadas irmãzinhas caminhem no vento frio.” Ela estendeu a mão para pegar as mãos de Wu Yusi e as apertou, exclamando enquanto fazia isso. “Aiya! Justo como eu pensei!” Ela se virou para dar à Nobre Consorte Dou um olhar pesaroso. “Vê o que esta irmãzinha quer dizer? Grande Irmã Dou, as pobres mãos da Assistente Wu estão congelando!”

Wu Yusi lhe fez o favor de não arrancar suas mãos das daquela filha humilde do médico imperial, cuja única vantagem era que ela tinha tido a sorte de nascer alguns anos mais cedo e, assim, subir um pouco mais rápido na hierarquia. Que desperdício de um rosto encantador, embora. Wu Yusi podia dizer que debaixo de sua maquiagem densa havia características que poderiam ainda agradar ao homem comum, talvez. Mas aqui no harém, onde todos eram uma joia, uma flor rara aguardando desabrochar suas pétalas em prol do único mestre deste jardim proibido, a Concubina Imperial Hui já não podia mais esperar competir. Não importava o motivo pelo qual ela optou por colaborar com Wu Yusi para derrubar a escrava Yan, Wu Yusi estava confiante de que essa concubina mais velha não poderia sequer começar a competir com ela.

Mesmo assim, Wu Yusi não deixou seu desprezo aparecer. Um dia, ela seria poderosa o suficiente para que todos tivessem que bajular suas preferências e viver de acordo com suas leis. Mas por enquanto, ela poderia tolerar viver sob o teto de outro[2]. Sorrindo brilhantemente para a Concubina Imperial Hui, ela balançou suas mãos unidas de um lado para o outro, como uma garota jovem e brincalhona poderia fazer quando tentando convencer uma irmã mais velha a ceder às suas exigências caprichosas.

“A Grande Irmã Hui sempre tem nossos melhores interesses no coração,” Wu Yusi elogiou, deixando seu tom adotar um toque de petulância enquanto ela implorava, “A Grande Irmã Hui poderia gentilmente nos ajudar a pleitear a cessação da assembleia matinal até que esteja mais quente novamente?”

A Concubina Imperial Hui lhe deu um olhar falso sério e balançou um dedo para ela, mas antes que ela pudesse dizer algo, uma voz quieta, reservada, mas autoritária interveio em vez disso.

“Absurdo. Se o tribunal da manhã recuasse diante do primeiro indício de geada, este reino ficaria estagnado.”

O ódio intenso que roía o estômago de Wu Yusi ao ouvir aquelas palavras era apenas superado pela repulsa que ela nutria pela escrava Yan.

Relutante em aceitar a palestra enfadonha de Zhao Qiaoting — por alguma razão, ela era muito rigorosa quando se tratava de questões inconsequentes que os membros do palácio interno deveriam saber melhor do que se intrometer, como se acreditasse que era primeira-ministra em vez de seu pai — Wu Yusi retrucou, “A Grande Irmã Zhao é séria demais. Esta irmãzinha estava apenas fazendo uma brincadeira.”

Sim, Grande Irmã Zhao. A única membro feminina do harém a ganhar o título de Concubina Imperial por mérito próprio. Se houvesse alguém que Wu Yusi considerava uma verdadeira concorrência neste jogo de ambição, era essa filha do primeiro-ministro da esquerda. Desde o dia em que entraram no palácio interno juntas, Wu Yusi já havia reconhecido ela como uma rival formidável. Mas o que ela não esperava era que Zhao Qiaoting engolisse todo o seu orgulho como representante dos velhos clãs nobres e se submetesse a uma escrava que era mais barata que a terra que pisavam quando davam uma volta pelos jardins imperiais. Para garantir a atenção do imperador, Zhao Qiaoting tinha se rebaixado tanto que considerou adequado trair tudo o que os velhos clãs nobres representavam e fazer aliança com a escrava Yan, apenas pela chance de chamar a atenção de Sua Majestade.

E conseguiu. Mesmo que o imperador não a tivesse convocado para servi-lo novamente depois daquela noite memorável que havia elevado as esperanças de todos, isso não mudava o fato de que ele a havia promovido e dado a ela um palácio próprio para residir.

Só de pensar em como Zhao Qiaoting havia alcançado tudo isso com a ajuda da escrava Yan deixava um gosto amargo na boca de Wu Yusi. Nada de bom vinha da existência da escrava Yan. Até sua mãe gostava de dizer que seu bazi conflitava com o Clã Wu. Como mais se poderia explicar toda a desgraça que havia sobrecaído sobre sua família como resultado dele?

A frustração era esmagadora, o nó apertado em sua garganta só piorava ao ver como Zhao Qiaoting relaxava em seu assento bem ao lado da Concubina Imperial Hui. Em comparação, Wu Yusi tinha que ocupar seu lugar no fundo, de pé na mesma linha ao lado da desgraçada Zhang Qian. Ela poderia estar mais próxima da frente do salão de recepção do que Zhang Qian estava, mas isso era um consolo pobre. Ela merecia estar sentada na frente do séquito feminino, onde residia a Nobre Consorte Dou — não. Ela era mais do que digna do assento no estrado, com suas almofadas bordadas em azul e ouro, mesinhas laterais ornamentadas com a melhor apresentação de chá e iguarias, e aquele braseiro que só queimava o melhor carvão com o mais puro dos fumos brancos.

Como para tentá-la, esse assento ainda estava vazio hoje.

“Não está a Consorte Nobre Imperial demorando um pouco demais?” Foi o Senhor Liang quem falou. Desde que recebera o convite para assistir aquela caçada mais miserável, Wu Yusi havia percebido que ele se deixara levar por isso. Ela revirou os olhos. Os homens do harém não representavam uma ameaça desde que não ocupassem o tempo de Sua Majestade; o que esses galos estéreis poderiam fazer para reter os afetos de Sua Majestade depois que seus rostos murchassem sob o cruel cinzel do tempo? Ela tinha certeza de que, uma vez que Sua Majestade aprendesse a beleza de ter herdeiros e netos agrupados ao redor dos seus joelhos, esses concubinos masculinos se tornariam insignificantes.

O quarto príncipe já tinha uma vantagem também, ela pensou sombriamente, memórias pouco caridosas da ardilosa Wu Roushu inundando sua mente. Essa filha ilegítima simples e desajeitada de seu pai teve a audácia de ganhar dela ao carregar um filho imperial. A mãe de Wu Yusi havia reclamado que seu pai ficara tão tonto de felicidade com a notícia de que estava prestes a se tornar avô de um pequeno herdeiro principesco que ele havia elevado a posição da Segunda Yiniang na família para concubina lateral.

Isso era inaceitável. Nada estava indo do seu jeito.

Enojada por estar na presença de todas essas pessoas que ela desgostava, Wu Yusi lançou um olhar feroz às jovens servas paradas discretamente ao redor e acrescentou, “Alguém não deveria informar à Consorte Nobre Imperial que estamos esperando por ele?”

Para a sua irritação, nenhuma delas lhe deu atenção. Suas bochechas ardiam enquanto ela ouvia a Concubina Imperial Chen — outro reles miserável alinhado com o escravo Yan e se beneficiando disso — gargalhar e o Nobre Senhor Hua responder com olhos arregalados de espanto, “A Pequena Irmã Wu está sugerindo que interrompamos a manhã de Sua Majestade com Yue Langjun?”

Ninguém mais parecia tão chocado com isso quanto ela. Eles devem ter recebido a notícia antes de sua chegada, mas eram egoístas demais para compartilhá-la com ela, esperando que ela tropeçasse e fizesse papel de tola, sem dúvidas.

Ela lembraria desse desdém.

Era impossível esconder a inveja que torcia sua expressão. O imperador não tinha tribunal da manhã hoje? E ainda assim ele escolhia passar seu tempo na cama do escravo Yan, sabendo muito bem e sem se importar que todo o harém estaria a par disso.

Ele era verdadeiramente cruel. Por que ela não podia ser a sua exceção?

Para esfregar sal nas suas feridas, aquele terrível eunuco que havia uma vez ajudado o escravo Yan a desrespeitá-la entrou com uma expressão de arrogância mal disfarçada.

“Sua Majestade gostaria de informar aos Pequenos Mestres e Pequenas Mestras que a Consorte Nobre Imperial Yue está doente hoje e a assembleia matinal será cancelada. Quaisquer assuntos de preocupação devem ser tratados com a Nobre Consorte Dou.”

Wu Yusi cerrava os dentes. Doente? Sem dúvidas que a descarada estava despida e enrolada nos braços de Sua Majestade, possivelmente agarrando-se e impedindo o imperador de tratar de assuntos de estado ao convidá-lo a permanecer enclausurado na terra de calor e ternura.[3]
“Nobre Consorte Dou Niangniang, o Festival da Longevidade[4] está se aproximando rapidamente. Esta pequena irmã ouviu que Sua Majestade celebra seu aniversário apenas com um banquete de estado.” Ela mordeu o lábio, os olhos brilhando com um entusiasmo fingido. “Todos nós teremos a oportunidade de participar?”

Nobre Consorte Dou balançou a cabeça. “Tradicionalmente, apenas membros do harém classificados como Concubina Imperial e acima seriam autorizados a participar. Este ano, Sua Majestade relaxou as regras e permitiu que os Senhores Nobres e Nobres Senhoras também estivessem presentes, mas para o resto de vocês…” Ela hesitou antes de continuar gentilmente, “Haverá oportunidades no futuro, esta concubina tem certeza.”

Wu Yusi lançou um olhar para a Concubina Imperial Hui, que estava tomando chá. Ela não deu indicação de que estava prestando atenção especial à conversa, mas Wu Yusi tinha certeza de que ela estava ouvindo.

Em qualquer outra situação, Wu Yusi teria ficado devastada por perder a chance de se apresentar diante do imperador. Mas na noite do Festival da Longevidade… ela tinha trabalho a fazer.

A rede havia sido lançada. Cabia a ela puxá-la. Na manhã seguinte, seu amado soberano estaria um ano mais sábio… e livre das artimanhas do escravo Yan.

[1] Quase 7 da manhã
[2] Um ditado que significa depender de outra pessoa para viver ou viver dependendo da caridade de outra pessoa. Neste caso, é usado literalmente (ela é afiliada ao palácio principal da Concubina Imperial Hui) e figurativamente (ela demonstrou aliança à Concubina Imperial Hui em troca de proteção).

[3] Uma eufemismo para um homem encontrar consolo nos encantos femininos. Geralmente usado com conotação sexual.

[4] Um dos nomes para o antigo feriado que é o aniversário do imperador.