Capítulo 654: Prólogo
BEM-VINDO AO VOLUME 4.
PRÓLOGO
Diziam que as árvores eram santuários. Elas forneciam algumas das maneiras mais comuns e admiradas para o vento se fazer ouvir. Mas não hoje. Esta árvore tinha um método não ortodoxo de dar voz ao vento para anunciar sua presença.
Enquanto o vento soprava cuidadosamente do leste, Aries ouviu o suave som do carrilhão acariciando seus ouvidos. Nenhuma folha sequer caía sobre ela, em pé descalça sob uma gigantesca árvore de pau-ferro sem folhas.
Quando outra onda de vento suave soprava por Aries, ela lentamente levantava a cabeça. O som do carrilhão ressoava em seus ouvidos mais uma vez; a melodia era quase calmante, se não fosse pelo fato de que aqueles pequenos sinos que emprestavam voz ao vento, balançavam de cada dedo do pé das onze mulheres penduradas na árvore.
Que mundo cruel, ela pensou, imaginando o que essas mulheres poderiam ter feito para merecer tal atrocidade.
“A terra provou o seu sangue, mortais tiraram suas vidas, criaturas roubaram sua carne, e agora, o vento as envergonha,” Aries sussurrou, estreitando os olhos enquanto mantinha seu olhar nos corpos cujos pés nus balançavam na direção do vento. “Elas… não fizeram nada de errado.”
Seus lábios estavam traçados em uma linha fina, capturando o brilho tangerina com um subtom dourado sobre o cadáver, fazendo com que suas sombras se estendessem o quanto pudessem alcançar.
“O céu estava deslumbrante… como sempre,” ela cantarolou, movendo seus olhos para o brilho laranja no céu, rastejando por ele como se o sol se despedisse deste mundo com um abraço. “Me pergunto… se ele sabe quão terrível é para alguns sempre que se vai enquanto a lua silenciosa toma o controle?”
Um suspiro superficial escapou dos lábios de Aries, fazendo com que seus olhos piscassem ternamente. Ela então lentamente torceu o seu tronco superior, olhando para trás na direção das duas figuras paradas a vários metros dela.
Seus olhos se demoraram no rosto da criança. Esta última estava com roupas simples e desgastadas, em pé descalça, segurando a mão enrugada da mulher ao lado. Ela tinha cabelos brancos curtos e emaranhados que estavam a centímetros acima de seus ombros, olhos tão verdes quanto a grama exuberante, refletindo como este mundo cruel se apresentava em seus olhos.
A criança olhou diretamente para Aries antes de a última mudar seus olhos para a mulher mais velha ao lado da criança. Ela usava o mesmo vestido desgastado e fino. Seus longos cabelos pretos enrugados estavam por todos os lados, mas isso não a incomodava. Ela também tinha os mesmos olhos verdes claros, mas, ao contrário do olhar da criança, como se ela tivesse apenas visto o verdadeiro rosto deste mundo selvagem, a senhora mais velha carregava simpatia e arrependimento.
“Você as conhece?” perguntou Aries depois de estudá-las por um minuto.
Tanto a idosa quanto a criança olharam para cima, para as pessoas penduradas na árvore. Elas só olharam por alguns segundos antes de voltarem o olhar para Aries novamente. Elas não assentiram nem balançaram a cabeça. Apenas a olharam em silêncio, mas Aries não sentiu o menor desconforto.
“Você também não vai falar comigo desta vez?” Aries perguntou com um suspiro profundo, e pacientemente esperou por qualquer resposta, mas assim como na primeira vez que começou a ter esta visão, elas não disseram nada. Tudo o que fizeram foi olhar para ela e permanecer naquele mesmo lugar. Elas sequer lhe deram o menor sinal.
“Acho que vou continuar vendo isso…” ela disse, arqueando as sobrancelhas enquanto a criança se movia pela primeira vez.
A criança manteve seus olhos em Aries, levantando a mão e apontando um dedo para ela. As sobrancelhas de Aries se franziram em confusão, apenas para ouvir outra onda de suaves carrilhões soando em seus ouvidos. O coração de Aries palpitou enquanto ela se virava.
Aries não se virou completamente para encarar a árvore, mas parou quando percebeu outra mulher de pé ao seu lado. Esta foi a primeira vez que ela viu esta mulher, que tinha a sua idade ou era um pouco mais velha que ela.
A mulher olhava para a árvore pendurada, seus olhos dourados com um toque de vermelho. Uma fina camada de lágrimas revestia seus belos olhos rasgados, segurando sua dor não contada. Havia um grito vindo de dentro deles, que tentava desesperadamente escapar de sua boca, como se sua alma aterrorizada tivesse libertado um demônio.
“A terra provou o seu sangue, mortais tiraram suas vidas, criaturas roubaram sua carne, e agora, o vento as envergonha.” Os lábios trêmulos da mulher se abriram, sussurrando exatamente as mesmas palavras que Aries havia dito momentos atrás. “Elas… não fizeram nada de errado.”
“Você…” Aries chamou em voz baixa, e suas pupilas se dilataram quando os olhos da mulher deslizaram para o canto para olhá-la. “… consegue me ver?”
Aries segurou a respiração enquanto a mulher virava cuidadosamente a cabeça em sua direção. Seus olhos dourados subiam e desciam em Aries, sua expressão séria, e suas mãos firmemente postas ao lado.
“Eu gostaria de não ter visto,” a mulher respondeu enquanto estreitava os olhos. “O mesmo vale para elas. Eu preferiria não ter visto elas penduradas ali.”
Ela lentamente voltou seu olhar para a árvore pendurada. “Eles gritaram, ‘queimem a bruxa!’ e eu pensei que eles quisessem queimá-la na fogueira. Não só levaram o que eu posso dar, mas tudo o que eu tenho. Eles tiveram sucesso.”
“Esta fúria está me queimando, criando este inferno — ela procura causar dano.” A voz da mulher tremia, a dor, a tristeza e a raiva se condensando em uma só. Dizem que a raiva é o corpo da tristeza, e Aries de alguma forma entendeu as raízes da ira desta mulher.
“Eu fiz tudo certo e tudo o que eles têm é o que eu fiz, ainda assim eles desperdiçam como crianças ingratas. Não importa o que eu faça, este lugar… sempre foi uma bagunça desgraçada.” Uma risada curta e seca escapou de seus lábios, olhos brilhando com a ira prestes a ser liberada sem um segundo pensamento sobre as consequências. “Eu estaria melhor sozinha, mas… eu percebi que eles merecem ver a semente de fogo nutrida que eles me forçaram a engolir. Eles pediram por isso.”
A expressão da mulher estava severa, voltada para Aries. Ela levantou a mão e a estendeu para Aries, parando no meio do caminho.
“Em breve… Eu, nós, Malévola, teremos este mundo sob nossa misericórdia.” Seus lábios se transformaram em um sorriso astuto. “Espere por mim.”
Aries franziu a testa, apenas para prender a respiração enquanto percebia várias figuras em pé ao redor delas. Ela olhou ao redor, apenas para ver a criança e a mulher mais velha, e mais algumas vestindo o mesmo vestido desgastado olhando para elas à distância. Quando Aries olhou para baixo, ela recuou ao ver que também estava vestindo as mesmas roupas que elas. No entanto, uma mão subitamente agarrou a sua mão assim que ela saltou para trás.
“Você não pode me negar,” disse a mulher segurando o pulso de Aries até que ficasse vermelho. “Você é eu, e eu sou você. Elas eram você e você é elas. Nós somos uma. Nós somos Malévola.”