A Luna Amaldiçoada de Hades - Capítulo 91
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91: Vampiros e Lobisomens 91: Vampiros e Lobisomens Eve
Desculpa, mas por favor, não se mexa, Jules – eu disse, com meu carvão pronto sobre o caderno de desenhos equilibrado no meu joelho. Jules estava sentada no banco em frente a mim, com os braços cruzados sobre seu uniforme e os cabelos cor de cobre soltos sobre os ombros. A luz solar que entrava pelas altas janelas capturava cada mecha incandescente, fazendo com que fosse impossível não se maravilhar com o quão viva ela parecia. Ela era vibrante por dentro e por fora.
“Não estou me mexendo, Princesa”, ela respondeu, com um tom de provocação. Seus olhos brilhavam, e seus lábios se curvavam num sorriso de canto. Ela sempre parecia ter aquele olhar – travesso, como se soubesse de algo que eu não sabia. Um segredo ao qual eu não tinha acesso.
“Está sim”, insisti, mordendo o lábio enquanto arrastava o lápis pela página. “Bem ali. Você se mexeu.”
“Tive que respirar”, rebateu ela, arqueando uma sobrancelha. “Isso agora é crime?”
Resmunguei, ainda que não pudesse deixar de sorrir. “Só é crime quando estou tentando te desenhar. Seu nariz continua… mudando.” Queria acertar cada sarda. Elas cobriam o nariz dela. Esta era a primeira vez que eu fazia uma arte ao vivo com uma modelo há muito tempo. Esperei para ter certeza de que era a imagem cuspida de Jules.
A risada dela ecoou, quente e livre, e por um momento, eu pausei para absorver. Jules não ria como as outras – polida e condescendente. A dela era selvagem e cheia de vida, como tudo nela. Nas semanas após a milésima briga com Hades, ela começou a infiltrar meu coração. Mesmo após terminar o trabalho comigo, ela permaneceu, me fazendo companhia com desinteresse.
“Talvez sejam seus olhos que estão mudando, Princesa”, ela provocou, inclinando-se para frente levemente.
Estreitei meu olhar para ela, fingindo ser severa. “Fique quieta, Jules, ou na próxima vez eu vou te fazer usar uma máscara.”
Ela sorriu, com as sardas se juntando em suas bochechas. “Oh, que trágico seria perder essa obra-prima de rosto.” O comentário me lembrou de Kael. Pelo menos não estava tudo ruim, eu tinha amigos agora. Mesmo que eles estivessem obrigados a me atender, os momentos pareciam reais. Como este.
Reprimi uma risada, minha mão relaxando enquanto começava a desenhar novamente. O perfil dela ganhava vida na página – a inclinação teimosa do queixo dela, a dispersão de sardas que dançavam sobre o nariz, e o brilho desafiador nos olhos dela. Cada linha parecia familiar, mas de algum modo elusiva, como capturar o vento.
“Por que você continua fazendo isso?” ela perguntou depois de um momento, sua voz agora mais baixa.
“Me desenhar, quero dizer.”
Lancei um olhar aos papéis amassados e descartados no chão. Esta era a minha quinta tentativa.
Não respondi de imediato. Como eu poderia explicar? Como eu poderia dizer a ela que seu rosto era o único que eu queria desenhar porque era real? Porque não era polido ou mascarado por dever e decoro?
“Porque eu gosto”, disse simplesmente, minha voz suave. “E porque… você é minha amiga.” Eu disse quase timidamente, abaixando um pouco a cabeça.
Os olhos dela se arregalaram levemente, e pela primeira vez desde que nos conhecemos, ela pareceu sem palavras. Só durou um instante antes dela sorrir, mais suavemente desta vez. “Sou sua amiga?” Ela perguntou.
Engoli em seco, um nó se formando na minha garganta. Algo desconhecido roía por dentro e por um momento minha língua estava pesada demais para se mover, antes de finalmente dizer. “Eu sou, se você for.” Eu disse, esperançosa. Não queria forçá-la para algo que ela não queria. A amizade tinha que ser dada livremente, não tomada ou assumida por causa da circunstância.
O sorriso dela se aprofundou, chegando aos seus olhos, e ela se recostou no banco, deixando as mãos descansarem no colo. “Então, eu acho que você é, alteza. Não é todo dia que alguém me chama de amiga ao invés de apenas ‘a ajudante’.”
As palavras doeram, não porque ela as disse, mas porque eu sabia que eram verdadeiras. Jules provavelmente passou a vida sendo ignorada, tratada como parte do cenário, como os móveis ou as paredes. Uma runt odiada. E lá estava eu, usando-a como meu objeto, enquanto ela discretamente alegrava meus dias sem pedir nada em troca. Suas ações heroicas me defendendo passavam por minha mente, ainda que uma inquietação persistisse. Eu esperava não estar cometendo outro erro.
Pousei o carvão, ignorando a mancha que deixou em meus dedos, e encontrei o olhar dela. “Você não é ‘apenas a ajudante’, Jules. Não para mim. Você faz este lugar parecer… menos vazio.”
O sorriso provocador dela se suavizou em algo diferente – algo vulnerável. Ela desviou o olhar por um instante, como se a intensidade das minhas palavras a deixasse desconfortável. “Você não precisa dizer isso, sabe. Estou aqui há tempo suficiente para conhecer meu lugar.”
“Seu lugar não importa para mim”, disse ferozmente. Eu fui prisioneira antes, então eu sabia exatamente do que ela estava falando. “Nem um pouco. Venha cá e veja você mesma.
Jules hesitou por um momento, sua testa franzida como se não tivesse certeza se deveria acreditar em mim. Mas então, devagar, ela desceu do banco e caminhou até onde eu estava sentada, o clique suave de suas botas contra o chão de pedra sendo o único som no quarto de outra forma silencioso. Ela espiou por cima do meu ombro para a página, prendendo a respiração enquanto estudava as linhas.
“Uau”, ela sussurrou, sua voz tingida de admiração. “Você realmente me capturou.”
“Tentei”, disse suavemente, meus dedos tocando levemente o caderno de desenhos, como se temesse borrá-lo. “Queria que fosse especial por causa do que planejo fazer com ele. É uma surpresa.”
Após uma longa pausa, Jules deu um passo para trás, me olhando com uma expressão curiosa. “Nunca tinha percebido antes”, disse ela, seus olhos descendo para meus braços. “Mas você tem treinado, não é?”
Fiquei tensa, sem esperar que ela notasse, muito menos comentasse. Meus braços, antes macios por falta de exercício, tinham lentamente ganhado músculos na semana passada. As sessões de treinamento com Kael haviam sido exaustivas, mas eficazes. Mas eu não queria chamar atenção para isso, não agora, não com Jules observando. Não queria que ela fosse mais implicada por estar ciente do plano.
Eu abaixei as mangas, conscientemente, uma corada fraca colorindo minhas bochechas. “Não é nada”, eu murmurei, um pouco rápido demais. “Apenas… me mantendo ocupada, eu acho.”
“Estou vendo hematomas”, ela apontou. “Deve ser um treinamento pesado”, ela sussurrou com as sobrancelhas erguidas de forma conspiratória. “É uma pena, na verdade. Você não teria esses hematomas se fosse uma Lycan.” Estávamos entrando em território desconfortável, mas eu não queria deixar as coisas constrangedoras. “É…”, eu refleti.
Ela se sentou ao meu lado. “Você sabe que Lycans se curam mais rápido que os lobisomens, não sabe?” Ela perguntou, casualmente.
Eu sabia o básico sobre Lycans, mas não tinha ideia de que eles pudessem criar fogo à vontade até ver Hades acender um cigarro com o dedo. Então, ao que parecia, havia coisas que eu não sabia. Balancei a cabeça. “Não, por quê?”
“Vampiros”, ela respondeu.
Um arrepio percorreu minha espinha e eu me endireitei imediatamente.
Se ela percebeu a minha mudança, não demonstrou. “Nós pegamos muita coisa deles. Nossos caninos, nossa afinidade por sangue e a cura deles.” Ela continuou a dizer. “É uma pena que sejamos parecidos, mas mundos à parte. Tudo por causa de uma história sangrenta.” Ela murmurou. “Lobisomens e Lycans”, ela refletiu enquanto me assustava ao segurar minha mão. Eu a olhei atônita. O gesto era tão caloroso, era a coisa mais estranha. Eu não sabia se devia ceder ou recuar.
“Você sabe sobre a Verdadeira Luna, Elysia?” ela perguntou suavemente, sua voz carregando um peso que a fazia parecer um segredo.
Eu balancei a cabeça levemente, mas não falei. Para os lobisomens, o nome de Elysia era sinônimo de traição. Sua história era um conto de alerta sobre traição e fraqueza – uma Luna que havia abandonado sua espécie pelo inimigo. Mas enquanto Jules me olhava com aquele brilho curioso nos olhos, eu escolhi segurar minha língua. Queria ouvir a versão dela.
Jules se recostou no banco, apertando mais forte minha mão enquanto começava. “Elysia era mais do que apenas uma Luna”, disse ela, sua voz reverente. “Ela era a Luna, escolhida pela própria lua. Sua linhagem era pura, seu laço com a alcateia inquebrável – ou assim eles acreditavam. Mas o destino… o destino tinha outros planos.”
Engoli em seco, minha boca seca, enquanto Jules continuava.
“Ela se apaixonou por alguém que não deveria”, disse Jules, sua voz baixando, como se falar as palavras em voz alta pudesse invocar fantasmas. “Um príncipe vampiro. Não qualquer vampiro – um que andava sob a luz do sol, cujo sangue possuía fogo. Dizem que o amor deles foi forjado sob uma lua vermelha, ardendo intensamente demais para este mundo.”
Meu coração acelerou enquanto Jules falava. Eu já tinha ouvido essa história inúmeras vezes, mas nunca dessa forma. Para os lobisomens, o amor de Elysia era seu pecado, sua fraqueza. Mas do jeito que Jules descrevia, parecia quase… bonito. Tragicamente belo. Apesar de não ser a verdade.
“Mas um amor assim”, disse Jules com uma borda amarga em sua voz, “ameaça os poderosos. Seu tio, um Beta que ansiava pelo trono, viu isso como uma oportunidade. Ele a incriminou. Torceu seu amor em traição. Alegou que ela havia traído a alcateia para os vampiros, que ela conspirou para destruí-los.”
“Ela foi morta por isso”, continuou Jules, sua voz agora mais afiada. “Sua própria alcateia se voltou contra ela, despedaçou-a sob a lua que ela outrora serviu. E seus filhos… seus filhos foram exilados, lançados na selva para morrer.”
Fiquei em silêncio, mesmo com minhas unhas cravando em minhas palmas. Eu conhecia esta parte também – como os lobisomens a viram como um castigo necessário, uma limpeza de sangue contaminado. Mas para Jules, parecia diferente.
“Eles acharam que as crianças não sobreviveriam”, ela disse, com a voz mais baixa agora. “Mas sobreviveram. Eram mais fortes do que todos esperavam. Tinham a resiliência de Elysia – e o fogo de seu pai.”
“Lycans”, murmurei antes que pudesse me conter.
Os olhos de Jules se voltaram para os meus, uma faísca de surpresa acendendo seu olhar. “Sim. Foi assim que os Lycans surgiram. Eles construíram uma nova vida, uma civilização, longe dos lobisomens que os expulsaram. Mas não terminou aí.” O aperto dela se intensificou, e eu pude sentir a raiva fervendo sob sua calma aparente.
“Os lobisomens não podiam deixá-los em paz”, ela disse amargurada. “Eles viram os Lycans prosperando, mais fortes do que antes, e isso os aterrorizou. Então eles atacaram novamente, desta vez sob a bandeira da paz. Eles ofereceram para se unir, para trazer os filhos exilados de volta para o grupo – mas era uma mentira. Eles tentaram aniquilá-los.”
Mordi o interior da bochecha para evitar falar. Não era a versão que me haviam ensinado. Mas estávamos em lados diferentes do muro.
“Os Lycans revidaram”, continuou Jules. “E eles têm lutado desde então. É por isso que nos curamos mais rápido, por que somos mais fortes. Fomos forjados no fogo e na traição, nascidos de uma Luna que ousou amar alguém além dos limites de sua alcateia.”
Seus olhos encontraram os meus novamente e ela entrelaçou os dedos nos meus. “Mas entre nós, essas coisas não importarão. Porque uma lobisomem já amou um vampiro e neste dia uma lobisomem e um Lycan forjarão uma amizade.”