A Luna Amaldiçoada de Hades - Capítulo 76
76: Aceitação 76: Aceitação Eve~
Ao adentrar o quarto oculto, uma estranha mistura de admiração e apreensão se apossou de mim. O cheiro de tinta e carvão pairava espesso no ar, entrelaçado com algo cru e terroso, quase como pedra úmida. Era o cheiro inequívoco de um espaço frequentemente utilizado, embora o silêncio aqui parecesse pesado e vigilante, como se as próprias paredes guardassem segredos.
Meus dedos tremiam levemente enquanto eu estendia a mão, deslizando-os pela borda de uma mesa de madeira carregada de pincéis, potes de pigmento e cadernos de esboço, cada objeto arranjado com meticuloso cuidado. Cavaletes estavam espalhados pelo quarto, todos cobertos por lonas sem poeira, suas formas sombreadas e solenes como guardiões silenciosos. Não havia poeira em lugar algum — no chão, nem mesmo nas prateleiras cheias de materiais de arte. Alguém — Hades, eu presumi — visitava este espaço com frequência suficiente para mantê-lo imaculado, intocado pelo descaso.
Cada instinto me instigava a voltar atrás, a sair antes que eu descobrisse algo que não deveria ver. Mas um impulso mais profundo — uma curiosidade implacável — me mantinha no lugar, quase me desafiando a desvendar as camadas de mistério que envolviam este quarto.
Com cautela, me aproximei de um dos cavaletes cobertos, meu coração batendo alto nos meus ouvidos. Minha mão pairou sobre a lona, hesitando por um breve momento. Eu estava perto de revelar o que ela escondia, mas percebi o que estava prestes a fazer. Eu não tinha direito.
Os pelos na nuca se eriçaram, uma sensação elétrica que aguçou todos os meus nervos. Meu coração deu uma guinada, seu ritmo gaguejando em um aviso que ignorei por muito tempo. Tarde demais, percebi que não estava sozinha.
Um sopro suave, quase inaudível, ecoou de algum lugar atrás de mim, e antes que eu pudesse me virar, uma sombra se moveu com velocidade cegante, fechando a distância num piscar de olhos. Olhos prateados brilharam na luz tênue — frios, inexpressivos, inumanos.
Recuei, engasgando ao encontrar aquele olhar implacável, sentindo sua intensidade como um peso contra meu peito. Não havia calor naqueles olhos, apenas um lampejo de algo antigo e insondável, como um ser que existia muito antes deste lugar, deste mundo, talvez até antes da própria luz.
Hades.
De repente, senti suas grandes mãos em torno do meu pescoço, pouco antes de ser arremessada contra a parede com um baque doloroso. A dor percorreu como uma corrente pelo meu corpo ainda em recuperação. Minha respiração se fraturou enquanto eu buscava algum equilíbrio e olhava para cima.
O olhar prateado e penetrante de Hades combinava com o luar enquanto ele olhava para mim, as sobrancelhas franzidas num cenho profundo. “Quem lhe deu o direito?” ele arrastou, sua voz tão suave e perigosa quanto uma adaga envolta em seda, cada palavra afiada com uma fúria mal contida.
Minhas costas latejavam contra a parede de pedra fria, o impacto deixando uma dor surda que pulsava pelo meu corpo. Tentei estabilizar minha respiração, mas a proximidade de seu rosto, a força absoluta de seu olhar, congelava cada pensamento e movimento.
“Eu—Eu só estava…” Minha voz falhou, engolida pelo silêncio opressor que se estabeleceu entre nós. Eu não conseguia juntar as palavras, não conseguia formar uma desculpa que o aplacasse. Não com suas mãos ainda em volta do meu pescoço, seu aperto firme o suficiente para me manter no lugar, mas leve o suficiente para não deixar marcas. Uma força controlada que me fez perceber o quão fácil seria para ele estalar os dedos e acabar comigo, e tão facilmente escolher não fazê-lo.
“Você estava apenas…?” ele ecoou, a voz descendo para um murmúrio perigoso enquanto ele se inclinava para mais perto. Seu hálito, quente e levemente perfumado com algo docemente escuro, percorria minha pele, enviando arrepios pela minha espinha. “O que você esperava encontrar aqui?”
O peso de seu olhar pressionava sobre mim, olhos prateados inflexíveis, penetrando em cada defesa frágil que eu poderia ter conjurado. Eu podia ver em sua expressão — ele sabia que eu não tinha respostas. Ele tinha me pego invadindo, bisbilhotando uma parte de sua vida que ele claramente mantinha protegida. Protegida.
Seu aperto afrouxou um pouco, e eu consegui um suspiro trêmulo, meu coração batendo enquanto eu encontrava seu olhar, de alguma forma encontrando minha voz no meio do caos dentro de mim. “Eu—Eu não pretendia invadir,” eu disse, minha voz mal acima de um sussurro. “Eu só estava explorando…” Soava fraco até para mim.
Seus lábios curvaram-se num sorriso frio, embora não houvesse humor nele, apenas um lampejo de algo escuro e antigo. “Explorando?” ele repetiu, como se saboreasse a palavra. “Explorando o que, exatamente?” Então seu aperto se tornou mais firme novamente, seus caninos reluzindo na pouca iluminação. Um nó de pavor se formou na minha garganta. “Mentir para mim é a coisa mais estúpida que você poderia fazer,” ele continuou, sua voz baixa. “Você estava espionando.”
A acusação doeu, e eu senti uma onda de desafio surgir dentro de mim, algo que, mesmo na minha posição vulnerável, eu não conseguia conter totalmente. “Eu não sou uma espiã, Hades,” tentei dizer. Mas sua risada sombria me interrompeu. “Que peso têm as palavras de um vira-lata?” Meu coração parou, suas palavras atingindo seu alvo enquanto eu sentia um tipo diferente de dor rasgar por mim. Ele nunca tinha me chamado assim antes, mesmo quando todos os outros tinham. Foi então que a realização surgiu em mim. Este não era o quarto de Hades. Era um santuário para Danielle. A pintura do mar era dela. Eu podia sentir seu amor por Hades em cada pincelada. Ela o havia amado como ele a amava. Este era um memento para ela, e eu tinha invadido.
Eu realmente não tinha direito. Eu era a culpada.
“Eu sinto muito,” murmurei suavemente. “Isso nunca mais acontecerá.” Eu prometi.
Por um momento fugaz, algo mudou em sua expressão, uma fissura na armadura. Mas se foi tão rápido quanto veio, substituído por um brilho endurecido em seus olhos enquanto ele se afastava, me soltando.
“Considere-se avisada,” ele disse, sua voz friamente calma, uma borda afiada em cada palavra. “Na próxima vez que você ousar cruzar uma linha, não hesitarei em colocá-la de volta em seu lugar.”
Ele deu um passo para trás, e nesse breve alívio, eu pude respirar novamente, o peso de sua presença lentamente se dissipando. Mas suas palavras permaneceram, um eco de ameaça que se enraizou profundamente em mim. Eu estava certa. Era isso que ele realmente sentia. Era isso que ele sentia pela filha de Darius. O homem que tinha levado Danielle embora dele.
Após seu aviso e suas palavras duras, ele foi para o banheiro. Eu sentei na beira da cama que compartilhávamos, de costas para ele, o peso da culpa pressionando com força implacável. Suas palavras—vira-lata, intrusa—repetiam na minha mente, cada sílaba um lembrete da linha que eu tinha cruzado e do ressentimento que eu tinha provocado.
Ouvi a porta do banheiro se abrir e instintivamente me preparei. Eu podia sentir o colchão se movimentar levemente com seus movimentos, um lembrete silencioso de quão próximo ele estava, ainda assim ele poderia estar a quilômetros de distância.
O silêncio no quarto era espesso, quebrado apenas por sua respiração lenta e constante. Deveria ter sido reconfortante, aquele ritmo estável, mas naquela noite, só ampliava minha vergonha. Eu tinha invadido algo sagrado, um lugar que ele mantinha oculto e intocado, um santuário para Danielle e um amor que eu nunca seria capaz de entender. Essa realização me esvaziou, deixando apenas uma dor roedora onde minha curiosidade uma vez me impulsionara.
Eu me mexi levemente, lançando um olhar furtivo para ele pelo canto do olho. Ele estava deitado de costas para mim, sua postura rígida e inflexível. Eu podia sentir seu frio, uma barreira invisível que fazia o pequeno espaço entre nós parecer um abismo infinito. Eu queria dizer algo, pedir desculpas novamente, mas cada palavra parecia inadequada, vazia, incapaz de preencher o abismo que eu tinha criado.
Hoje à noite, eu não poderia permitir que meus pesadelos o perturbassem. Não querendo incomodá-lo ainda mais, eu silenciosamente peguei um cobertor e me mudei para o pequeno sofá perto da janela. As almofadas eram duras, mal confortáveis, mas isso parecia certo naquela noite—um desconforto autoimposto que eu não conseguia superar. Me acomodei, minhas costas pressionadas contra o braço do sofá, joelhos dobrados, sentindo o ar frio se infiltrar pelas frestas da janela.
Procurei meu caderno de desenho na gaveta, suas páginas já marcadas com memórias que eu tinha tentado capturar no papel, fragmentos do passado que eu não conseguia deixar ir. Naquela noite, eu precisava mais do que nunca de suas páginas em branco. Soltei um suspiro lento, peguei o lápis e comecei a escrever, deixando a dor, confusão e culpa sangrarem na página, derramando todos os sentimentos que eu não ousava falar em voz alta.
A tinta fluía constantemente, e com cada linha, o peso pesado pressionando no meu peito aliviava um pouco. Eu despejei tudo o que sentia—a lamentação de invadir um quarto que era uma homenagem a ela, a picada de suas palavras, a realização de quão pequena e indigna eu me sentia em comparação à sua memória. Talvez, se eu pudesse liberar o suficiente dessa escuridão, os pesadelos seriam mais suaves, deixando-me indisturbada.