A Luna Amaldiçoada de Hades - Capítulo 470
Capítulo 470: Campo de Flores
Hades
“Isso não é possível,” Eve sussurrou.
“Não,” eu disse calmamente. “Não deveria ser.”
A estrada sob nós havia mudado—não mais pavimento rachado, mas pedra lisa, polida pelo tempo ou cuidado. As árvores que haviam pressionado tão perto antes agora ficaram para trás a uma distância respeitosa, seus galhos arqueando sobre nossas cabeças para formar uma catedral natural.
O campo se estendia por o que parecia ser milhas, embora eu soubesse que não poderia ser. Cada seção parecia conter flores diferentes, cores diferentes, como se alguém tivesse pegado cada coisa bela no mundo e plantado ali em desafio à própria natureza.
“Cain fez isso?” Eve perguntou.
Antes que eu pudesse responder, o carro desacelerou. Através do para-brisa, eu a vi.
Sophie
A criança estava vestida simplesmente—um vestido branco que parecia brilhar contra o tumulto de cores ao redor dela—e ela estava olhando diretamente para nosso carro que se aproximava com uma expressão que eu não conseguia ler bem. Não era exatamente tristeza. Não era exatamente alegria. Algo intermediário. Algo antigo em um rosto jovem demais para segurá-lo.
O motorista parou o carro. O ronco do motor parecia obscenamente alto neste lugar de reverência silenciosa.
Freddie abriu sua porta, o som dela se fechando atrás dele tão agudo quanto um tiro. Ele veio ao redor para abrir a minha, e então a de Eve, seus movimentos precisos apesar do suor ainda brotando em sua testa.
Eu saí, e no momento em que meus pés tocaram o chão, eu senti. Um pulso. Como um batimento cardíaco, mas não meu nem de Eve. Era uma utopia serena, um recorte de um mundo diferente que parecia respirar sozinho.
Eve se moveu para ficar ao meu lado, e eu ouvi sua respiração forte. Ela também sentiu.
Sophie caminhou em nossa direção.
“Você veio,” ela disse simplesmente.
“Você veio?” Eu perguntei, rindo um pouco antes de pegá-la. Eu pensei que ela ficaria na torre.
Ela assentiu, sua pequena mão gesticulando para o campo ao nosso redor. “Quero visitar a Mami, e você não pode ver os túneis sem ver o jardim da Mami primeiro.”
*O jardim da Mami.*
As palavras de ontem à noite, faladas em meio ao sono.
“Seu pai construiu isso?” Eve perguntou gentilmente, abaixando-se ao nível de Sophie.
A expressão de Sophie se alterou—algo complicado passando por seu rosto jovem. “Papai construiu para os túneis. Para escondê-los. Para protegê-los.” Ela se virou, olhando para o campo impossível. “Ele plantou as primeiras flores com a mami, ao redor da entrada, anos e anos atrás. E então cresceu. Continuou crescendo e crescendo depois que foram para a lua, e ele continuou cuidando delas. Ele trouxe trabalhadores aqui, pessoas em quem ele confiava, para ajudar a torná-lo bonito. Para mim. Para que eu tivesse um lugar bonito para visitar.”
Ela olhou de volta para nós, e eu vi lágrimas se acumulando em seus olhos.
“Mas na verdade, cresce por causa dela. Por causa da Mami.”
O ar parecia prender a respiração.
“O clima aqui,” eu disse lentamente, olhando para as orquídeas tropicais florescendo ao lado das rosas árticas, “não deveria permitir isso.”
“Não,” Freddie disse baixinho, dando um passo à frente. “Não deveria. Por todas as leis da natureza e da ciência, este lugar não deveria existir, especialmente nesta escala.” Ele fez uma pausa, sua voz diminuindo. “Mas existe. Por causa dela.”
“Eu não entendo,” Eve disse.
A expressão de Freddie estava cuidadosamente neutra, mas eu vi a tristeza por trás dela. “As flores crescem aqui—literal e metaforicamente—por causa do que ela era. O que ela deu. O que ela…” Ele se interrompeu, sua mandíbula se apertando. “Apenas Cain tem o direito de contar a história completa, Alfa. Não cabe a mim compartilhar.”
A pequena mão de Sophie escorregou na minha, me surpreendendo. “O túmulo de Mami está nos túneis,” ela disse como se estivesse falando sobre o tempo. “Papai a encontrou lá, depois que ela escapou. Foi lá que ele a enterrou. É lá que ela descansa agora.”
*Depois que ela escapou.*
As palavras pairaram no ar como um sino de morte.
“Escapou de onde?” eu perguntei, embora parte de mim já soubesse. Parte de mim sabia no momento em que a expressão de Freddie se fechou.
Freddie encontrou meus olhos. “O Cautério.”
Eu congelei.
O Cautério. A coleção de câmaras de tortura. A operação secreta de Darius que só tínhamos acabado de descobrir e apenas acabamos de compartilhar. Informação que era classificada, conhecida apenas por mim, Eve, os membros do conselho. Eu sabia que Cain tinha suas maneiras de obter informações, mas era rápido demais para algo que não aconteceu fora da torre.
“Como você sabe sobre isso?” Minha voz saiu mais afiada do que eu pretendia. “Essa informação foi compartilhada em uma reunião fechada do conselho. Como Cain—”
“Cain sempre soube sobre o Cautério,” Freddie interrompeu calmamente. “Porque ela contou a ele. Ela contou a ele sobre o tempo dela lá.” Sua voz quebrou ligeiramente. “Sobre o que fizeram com ela. O que Darius fez com ela.”
O mundo parecia inclinar-se.
A mãe de Sophie. Uma lobisomem que de alguma forma cruzou a fronteira para o território Obsidian. Que conheceu Cain. Que deu à luz a uma criança meio-licantro, meio-lobisomem.
E antes de tudo isso, ela foi uma prisioneira. Uma vítima. Um dos experimentos de Darius naquele local de tortura e horror que só acabamos de descobrir que existia. Ele não se revelou, nem o que ele sabia.
“Ela escapou,” eu disse lentamente, as peças se encaixando. “Ela escapou do Cautério e chegou aqui. Para Obsidian. Para Cain.”
Freddie assentiu. “E por um tempo, ela foi livre. Por um tempo, ela teve felicidade. Ela teve amor. Ela teve Sophie.” Suas mãos se apertaram ao lado do corpo. “Mas o que fizeram com ela naquele lugar… não a deixou ir. Nunca a deixou ir.”
“Ela não teve chance além de morrer,” Sophie disse suavemente, e a resignação adulta em sua jovem voz fez meu peito doer. “Papai tentou salvá-la. Ele tentou de tudo. Mas o Cautério…” Ela fez uma pausa, as lágrimas agora fluindo livremente por suas bochechas. “Ele tira mais do que só seu corpo. Ele tira pedaços da sua alma. E eventualmente, não sobra nada.”
Eve fez um som sufocado ao meu lado. Alcancei sua mão, encontrando-a trêmula.
“As flores,” disse ele. “Elas crescem por causa do que ela sofreu. Por causa do que ela se tornou.”
A mandíbula de Freddie se moveu, como se ele estivesse procurando por palavras que não existiam. Ele rangeu os dentes, olhando para suas mãos. “É difícil de explicar. É muito…” Ele parou, então encontrou meus olhos. “Talvez seja por isso que eu não possa abrigar ódio—quando eu sei a verdade, ou pelo menos seu primo distante, do que o chamado Alfa deles faz além da fronteira.”
Seu olhar mudou para Sophie, a voz carregada de emoção. “A pequena senhorita não estava segura lá. Nem aqui, onde ela seria chamada de xingamentos porque seus caninos não tinham o comprimento ou a nitidez corretos.” Sua voz se quebrou. “Eu a observei crescer, amar e aprender como teria observado minhas próprias pequenas meninas. Não havia diferença.”
O lábio de Sophie começou a tremer. “Não chore… Freddie,”
Ele fungou e sorriu para ela. “O que você disser, pequena senhorita,” ele assegurou. “Eu não vou chorar.” Ele assegurou.
Ele ergueu a cabeça, sua voz ainda tensa de emoção. “Vamos para os túneis, estamos descendo.”