A Luna Amaldiçoada de Hades - Capítulo 419
Capítulo 419: Recompensa
Hades
O ar queimava frio através das minhas narinas enquanto eu o puxava para dentro, afiado e cru. A fome pintava tudo de vermelho. Minhas unhas se alongaram, preto se espalhando sobre elas como tinta pingando sobre pergaminho.
Eu sabia o que era. Não deveria saber — não com a parte lobo suprimida, não com o vampiro sussurrando mais alto — mas o instinto gritava a verdade.
Cervo.
Seu cheiro era vívido, espesso na minha língua como se eu já tivesse rasgado sua pele. Minha visão mudou, a trilha da floresta desvendando-se diante de mim em uma clareza estranha e antinatural. Cada lâmina de grama dobrada, cada galho quebrado brilhava como setas gravadas na terra, me apontando o caminho.
Eu fui sorrateiramente através do matagal, cada passo sendo silencioso apesar da pulsação nos meus ouvidos. O caminho me puxava em direção a um lago, sua superfície prateada com o toque do amanhecer.
E lá estava ele.
O cervo pastava, cabeça abaixada, sem saber de nada. Meus músculos se contraíram, presas pressionando contra meu lábio enquanto eu me preparava. A fome rugiu mais alto — então congelou.
Passos.
Não era o pisoteio suave e desajeitado de uma presa. Pesado. Humano.
Eu me imobilizei, sentidos divididos enquanto vozes flutuavam pelas árvores.
“…Os homens do Alfa Darius estão de volta nisso de novo,” murmurou um homem, baixo mas afiado. “As barricadas — deuses, nunca estiveram tão ruins. Prenderam civis ontem, tudo porque quebraram o toque de recolher. Voltaram esta manhã como fantasmas, traumatizados. O Alfa está perdendo a cabeça.”
Um suspiro de respiração. Então a voz de uma mulher, urgente, cortando suas palavras.
“Calado! Alguém pode ouvir. Você vai nos denunciar por traição.”
O homem zombou. “Traição? Mais como se eles fossem lucrar. Qual é a recompensa mesmo? Um milhão? Pelo menos eles vão pegar sua parte.”
O riso dela era amargo, quebrando como gravetos sob os pés. “E para quê? A mensagem era vaga no melhor dos casos. Estrangeiros, ele disse. Estrangeiros? A Alcateia Obsidiana nunca cruzou nossas fronteiras. Apenas as rotas comerciais. Exceto…” Ela abaixou o tom, hesitante. “…as Presas. E eu nem saberia o que era um Lycan, se não fosse por suas presas.”
Minha mandíbula se contraiu, coração batendo mais forte que apenas fome agora.
Então Darius estava perdendo a cabeça. Jogando dinheiro, espalhando medo, transformando seu próprio povo em espiões com moedas a balançar diante deles. Se ele estava nos rotulando como estrangeiros e bestas, então estava desesperado o suficiente para arriscar tudo.
E pior — ele estava procurando por mim. Por nós.
Eu recuei para a sombra das árvores, forçando a fome para dentro da garganta, forçando as asas pararem. O cervo ainda estava perto do lago, mas eu não o via mais. Meus olhos estavam fixos para dentro, mente queimando com o que eu tinha acabado de aprender.
Darius não estava apenas construindo barricadas.
Eu permaneci agachado na vegetação, cada músculo esticado até que as vozes se dissiparam nas árvores e foram engolidas pela distância. Suas roupas de caminhada chamativas — jaquetas com tiras neon, botas esmagando o matagal — os marcavam como civis. Não soldados. Mas eles tomariam o mesmo caminho de volta, e eu precisaria ser cuidadoso. Descuidar significava ser descoberto. Descoberto significava guerra antes que estivéssemos prontos.
Quando a floresta voltou a ficar em silêncio, meus ouvidos se viraram em direção ao lago. O cervo ainda permanecia, sem saber, focinho tocando a superfície prateada para beber.
O predador em mim se moveu antes que o pensamento pudesse seguir. Eu avancei.
O impacto foi silencioso mas definitivo — o cervo se debateu uma vez, duas, então ficou imóvel sob meu peso. Minhas presas afundaram profundamente, e a primeira onda de sangue queimou na minha língua.
Não era refinado. Não era a escuridão potente e rica do sangue de lobo ou Lycan, nem a rara safra que uma vez misturei com vinho. Era diferente. Aguado, com gosto de caça — como uma cerveja horrível comprada muito barata, sem profundidade, mas forte o suficiente para resolver.
Eu bebi, o fogo se espalhando por mim, estabilizando o tremor nas minhas mãos, aliviando a pulsação atrás dos meus olhos. Não era satisfação, mas alívio.
Parei antes que a ganância pudesse cravar suas garras. O cervo desabou, pesado e sem vida, seus olhos vidrados fixos em nada. Engoli o último gosto amargo, mandíbula se contraindo.
Não foi misericórdia que me puxou de volta. Foi controle.
Com um grunhido, lancei a carcaça sobre o ombro. O sangue ainda escorria dos meus lábios, metálico contra meus dentes, mas minha passada estabilizava a cada passo.
Pelo menos, pensei sombriamente enquanto voltava na direção da moita onde Kael retornaria, tínhamos comida.
Tinha acabado de colocar o cervo contra um emaranhado de raízes quando Kael emergiu das sombras, sacudindo as folhas dos ombros. Seus olhos verdes captaram instantaneamente a carcaça — e se estreitaram.
Ele parou, os lábios se partindo enquanto seu olhar percorria o animal. O silêncio se estendeu, seu olhar movendo-se do pálido do couro até as perfurações na garganta.
“…isso foi rápido,” ele disse finalmente, mas o tom não era de admiração. Sua cabeça inclinou, a testa se franzindo. “Estranho, no entanto. Para uma morte recente, está pálido. Sem sangue.”
Seus olhos se direcionaram para mim, apenas uma vez, afiados e investigativos. Depois de volta para a carcaça. Ele se agachou, passando a mão pelo pelo rasgado, seus dedos pairando sobre as marcas de mordida. Suas narinas se dilataram.
“Essas não são garras.” As palavras foram mal murmuradas, mais uma observação que uma acusação.
Eu me enrijeci, mandíbula se apertando, mas ele não insistiu. Ainda não. Em vez disso, ele se levantou suavemente, deixando que a questão pendesse no ar úmido entre nós.
“Há excursionistas,” ele relatou, a voz voltando ao ritmo de soldado. “Três deles, indo rio abaixo. Civis, pelo que parece.” Ele puxou o mapa e o desenrolou.” Ele apontou para a vegetação densa que representava nossa posição atual.” Se sairmos do caminho do rio, em direção ao cume, devemos evitar o rastro deles.”
Dei um aceno rápido, grato pela mudança de assunto. Mas eu não ia deixar o resto não dito.
“Kael.” Minha voz era baixa, rouca. Ele olhou, à espera.
“Darius está desmoronando,” eu disse. “Seu povo está inquieto. Barricadas foram erguidas, civis estão sendo presos por quebra de toque de recolher. Ele está jogando dinheiro para virar vizinho contra vizinho. Um prêmio, um milhão, para quem nos denunciar.”
Eu poderia ter rido pelo fato do Alfa estar perdendo o controle.
Kael ficou imóvel, olhos verdes piscando, o músculo em sua mandíbula se apertando. “Você teve sorte com a informação, espero que não tenha estraçalhado eles?”
Dei a ele um olhar morto.
E ele levantou as mãos em rendição simulada. “Estou apenas sendo cauteloso,” ele gesticulou para a carcaça.
“Ele nos chamou de estrangeiros,” eu o ignorei.
Kael exalou pelo nariz, lenta e afiadamente. Ele olhou mais uma vez para o cervo, para mim, mas desta vez ele não disse nada. Apenas acenou uma vez, firmemente, e colocou sua mochila no ombro.
“Qual é o plano?” ele murmurou.
“Temos que nos mover mais rápido — antes que ele desmorone completamente e torne impossível escapar. Temos uma recompensa maldita sobre nossas cabeças.”