A Luna Amaldiçoada de Hades - Capítulo 393
Capítulo 393: A Coisa Vestida de Preto
Eve
O mundo parou.
As palavras dela me atingiram tão forte que eu esqueci como respirar.
Lyra.
Minha mãe.
Marcada.
Era como se todos os sons na enfermaria se dissipassem de uma vez. Os Gammas. Os médicos. O suave arrastar das botas no chão polido. Foram-se. Tudo que eu podia ouvir era a pulsação nos meus próprios ouvidos.
E então vieram as memórias.
Não as boas.
Não as calorosas.
Apenas os fragmentos irregulares e estilhaçados da última vez que a vi.
“Você não é minha filha. Você é uma praga. Uma maldição.”
A voz dela era afiada como uma navalha, cortando direto através da carne e do osso, fixando-se profundamente onde ninguém podia arrancá-la. Eu estava lá, acorrentada e ensanguentada, meu rosto inchado da última sessão de interrogatório, ainda tentando acreditar que se eu aguentasse um pouco mais, ela viria por mim.
Lembro-me de olhar para ela em choque, a dor em meu peito muito pior do que a dor nas minhas costelas quebradas.
Lembro-me da confusão, da incredulidade.
Lembro-me de me agarrar à única explicação que eu podia suportar—
que ela não quis dizer aquilo.
Porque a alternativa, que ela quisesse, teria me destruído.
Lembro-me dos dias na cela, meu corpo um mapa de hematomas, meus ouvidos zunindo com os gritos dos outros. A cada momento, eu dizia a mim mesma a mesma coisa:
Ela virá.
Ela passará por aquela porta.
Ela me dirá que acredita em mim.
Ela vai parar isso.
Ela nunca fez.
E então houve aquela ligação. A estranha e gaguejante, onde a voz dela vacilou, onde por um momento eu pensei que tinha imaginado o veneno em suas palavras. Por um momento, ela soou como ela mesma de novo. Eu sussurrei, “Mãe?” e por aquele segundo frágil, pensei que ela estava cedendo. Pensei que ela iria lutar por mim.
Até que eu ouvi ele.
A voz do meu pai ao fundo.
Ela mudou em um instante. Seu tom se afilou, suas palavras retorceram, a distância se instalando de novo como uma porta de aço.
Tinha sido tão óbvio. Tão óbvio que algo estava errado.
E ainda assim, eu não vi.
Eu estava mergulhada demais na minha própria prisão para ver a dela. Consumida demais pela minha própria sobrevivência para sequer pensar em salvá-la.
A culpa queimava quente em minhas veias, mas entrelaçado a ela—estranhamente, vergonhosamente—havia alívio.
Porque se ela estava marcada, então talvez… talvez ela não tivesse querido dizer nada daquilo. Talvez não tenha sido ela de verdade.
Meus joelhos ameaçavam ceder sob o peso disso. Minha garganta apertou, minha visão desfocando não por lágrimas, mas pela colisão vertiginosa de raiva, tristeza, e a mais tênue, mais perigosa fagulha de esperança.
A voz de Lucinda me puxou de volta, áspera e urgente. “Aquele lugar…” ela murmurou. “Eles chamaram de Cautério.” Ela estremeceu. “Fica em Silverpine.”
A confusão se infiltrou na massa convoluta de emoções em meu peito. “Como diabos você chegou lá? Sem Montegue descobrir?”
A voz dela estava rouca. “Sangue no quarto dela. No quarto de Felícia… precisa de sangue.”
A confusão se apertou ainda mais em meu peito.
“Sangue no quarto dela?” eu ecoei.
As mãos de Lucinda tremiam enquanto ela limpava o rosto, a voz rouca. “Precisava de sangue para iniciar a teleportação. Para o Cautério. Em Silverpine.” Seus olhos desfocados, olhando para algo que só ela podia ver. “Alimentou-se disso. Bebeu disso. E então me deixou entrar.”
Eu pisquei, minha mente lutando para acompanhar. “Você quer dizer que passou por um portal?”
Ela balançou a cabeça lentamente. “Não. Não houve caminhada. Foi como se o ar se rasgasse. Uma luz brilhante me engoliu, e de repente eu estava neste… cômodo branco. Ofuscante. Estéril. Eu nem tive tempo de respirar antes que eles chegassem.”
A voz dela quebrou por um segundo, e quando falou novamente, mal era um sussurro. “Os Gammas. Não como os daqui. Esses… esses eram piores. Eles não apenas pareciam perigosos. Eles transmitiam isso. Estava no ar, na maneira como se moviam. Eles me atacaram antes que eu pudesse sequer pensar, mas eu gritei que era de Felícia.”
Eu me imobilizei.
O olhar de Lucinda se fixou ao meu, sua expressão sombria. “No momento em que eu disse o nome dela, eles pararam. Apenas pararam. Depois me levaram para uma sala. Sem perguntas. Sem hesitação.”
Ela estremeceu novamente, seu corpo todo se encolhendo. “E então… eu o vi.”
Meu estômago despencou. “Quem?”
Seus olhos se ergueram para os meus, e por um instante, pensei que ela poderia quebrar. Mas sua voz veio, suave e crua. “Seu pai. Darius.”
Meu coração bateu forte na minha garganta, tão forte que pensei que iria sufocar com ele.
A voz de Lucinda tremia. “Eve… a aura dele… é puro mal. Torcida de uma forma que eu não achava possível. Meu lobo… ela não apenas recuou. Ela se escondeu. Encolhida tão fundo dentro de mim, que eu mal conseguia senti-la. Era como se ele retirasse o ar da sala. Como se toda parte de mim soubesse—”
Ela parou, mas não precisava terminar. O olhar grave em seus olhos dizia tudo.
O que quer que ela tivesse enfrentado naquele lugar, o que quer que tivesse visto nele… deixou uma marca que ela nunca iria se livrar.
Os olhos de Lucinda mudaram, e quando ela falou novamente, foi como se ela jogasse uma pedra no fundo do meu estômago.
“Sua mãe…” Ela hesitou, engolindo em seco. “Ela estava… dócil.”
A palavra pairou ali, errada.
“Dócil?” repeti, minha voz frágil.
Lucinda assentiu. “Distante. Desaparecida. Ela olhava diretamente à frente como se nem soubesse onde estava. Sem reconhecimento. Sem luta. Apenas… vazia.” Seu olhar desviou sobre meu ombro, como se ainda pudesse ver isso. “Ela sentava lá naquela sala branca, olhando para o nada.”
Meu peito se sentia apertado, minhas unhas cavando nas minhas palmas. “E quem mais estava lá?”
Os lábios de Lucinda se apertaram em uma linha fina antes de ela dizer, “Beta James.”
Senti meu pulso acelerar.
“E… mais uma pessoa.”
Algo frio deslizou pela minha espinha. “Quem?”
Os olhos de Lucinda voltaram aos meus, pesados com algo que parecia tanto medo quanto descrença.
“Ele estava vestido todo de preto,” ela disse lentamente. “Não apenas preto—preto que engolia a luz ao seu redor. Ele parecia mais alto do que qualquer homem na sala, suas mãos pálidas contra a escuridão. E quando ele se movia… era como se o ar se dobrasse para dar passagem a ele.”
Eu não respirei.
Ela engoliu, sua voz tremendo agora. “Ele abriu a boca e eu vi… presas. Como um Lycan. Mas ele não pode ser um Lycan. Ele era algo completamente diferente.”
Minha pele arrepiou. “O que ele era?”
Lucinda balançou a cabeça, seu tom caindo para um sussurro. “Sobrenatural. Nada como eu já vi antes. Ele parecia ter um milhão de anos… e ainda assim… sem idade.”
Parecia um mito, mas eu tinha uma terrível suspeita sobre o que poderia ser. Era absurdo, não eram vistos desde a queda da lua, desde que Vassir foi vencido por Malrik Valmont.
A veia pulsando na minha cabeça estava prestes a estourar. “Lucinda, o que ele fez?” perguntei. “Ele te machucou? O que ele fez com você?”
Lucinda ficou impossivelmente mais pálida do que já estava, mais gotas de suor se acumulando em sua testa. Ela inspirou fundo, meus olhos desviando para sua mão que já começara a tremer.
O terror que pesava no meu estômago ficou mais pesado. Os Gammas que nos cercavam estavam todos em alerta máximo, Elliot lambendo o rosto da avó para encorajá-la.
Ela conseguiu um sorriso trêmulo e engoliu. Ela fechou os olhos, tentando recordar as memórias que precisávamos, as informações que buscávamos.
“Foi ele quem… me marcou conforme as ordens do seu pai. Ele… segurou.” Ela mordeu o lábio e por um momento pensei que tudo fosse acabar. “Era o chifre. Tinha que ser o chifre que você disse que estava procurando. Tinha que ser ele.” Seus olhos se abriram, assombrados e arregalados de horror. “Ele usou a ponta…” ela demonstrou com suas mãos trêmulas, criando um ponto com o dedo indicador e o polegar. “A ponta do chifre.” Ela balançou a cabeça como se recusasse a acreditar em suas próprias palavras.
Eu segurei suas mãos para acalmá-la, acariciando seu cabelo que estava úmido de suor e nervosismo. “Eu estou aqui, Lucinda,” meu sorriso estava tenso, e eu esperava que ela não notasse. “Nós estamos aqui. Ficaremos bem,” a mentira tinha gosto de serragem.
Os olhos dela se encheram de lágrimas. “Nossos inimigos… são… invencíveis. Eu não podia respirar, Kara recuou tanto, meu lobo perdeu toda a coragem, toda a força.”
Sua voz se quebrou, as palavras se desfazendo como se até mesmo falá-las custasse mais força do que ela tinha.
“O que somos se não somos lobos?” ela sussurrou, a pergunta tremendo no ar como algo frágil. “O que somos… quando mesmo a parte de nós que é feita para lutar preferiria se esconder?”
Era demais.
Tudo isso.
Sentei-me para trás sobre os calcanhares, sentindo a pressão da sala ao meu redor como se o ar tivesse ficado mais denso. Meu olhar desviou, quase sem pensar, para Monte. Ele estava pálido e imóvel na cama da enfermaria, os médicos ainda trabalhando calmamente ao redor dele. Tubos. Fios. O bip constante do monitor. Era tudo tão frágil—ele era tão frágil—e, no entanto, de alguma forma, deveríamos sobreviver ao que estava por vir.