A Luna Amaldiçoada de Hades - Capítulo 369
Capítulo 369: Um Pedaço Dela
Hades
Diminuímos o ritmo.
O corredor à frente curvava-se à esquerda, depois descia, piscando vermelho com pontos de acesso mais profundos. Quanto mais avançávamos, mais frio ficava — como se as próprias paredes estivessem nos alertando. Cada movimento, cada respiração, parecia ecoar sob vigilância.
Cain baixou a voz. “Vamos manter o perfil baixo. Nada de movimentos bruscos. Nada de blefes a menos que eu diga.”
Eu não discuti. Meu pulso ainda trovejava do encontro. Minhas mãos ainda estavam se contraindo, garras querendo emergir.
“Estamos ficando sem tempo,” eu disse.
“E vamos perder tudo se você atacar muito cedo,” ele rebateu. “Não sabemos quantos níveis estão vigiando. Se a IA detectar um pico emocional ou desvio de movimento, trancará o setor. Não sairemos dali.”
Rangei os dentes, mas assenti uma vez.
Cain tocou o canto do olho, fingindo enxugar o suor. “Há dez câmeras neste corredor. Apenas três são óbvias. O resto estão embutidas na grade superior. Lentes micro térmicas.”
Olhei para cima — o que parecia ser painéis de iluminação comuns pulsavam levemente em um ritmo que eu não havia notado antes. Observando. Rastreando.
“Você já fez isso antes,” murmurei.
Cain sorriu. “Querida, eu já construí complexos como este antes. Não nesta escala, mas os princípios são os mesmos. Locais negros, laboratórios-fantasmas, fazendas de órgãos, corretores de dados. Você nomeia, eu já passei por eles. Dirigido alguns. Queimei outros até o chão.”
Lancei-lhe um olhar. “Você dirigia laboratórios?”
“Eu dirigia mercados,” ele corrigiu friamente. “Os laboratórios pertenciam a outros. Mas eu sei como suas mentes funcionam. Tudo aqui é organizado — obsessivamente assim. Isso significa horários. Isso significa padrões. O que precisamos não são mais armas ou mais raiva. Precisamos de uma janela de ruptura.”
Olhei para a grade de vigilância. “Então esperamos?”
“Nós nos misturamos.” Cain fez um gesto com o queixo em direção ao próximo corredor, onde dois homens em jalecos com detalhes azuis estavam verificando uma caixa selada. “Nós ouvimos. Observamos. Alguém deixará uma porta entreaberta. Eles sempre deixam.”
Eu queria argumentar, me mover, lutar —
— mas me obriguei a ficar imóvel.
Meu pai nunca me ensinou paciência. Apenas dominação.
Mas Cain havia passado a vida toda nas sombras do poder. Não construindo tronos — quebrando-os por baixo.
“O que estamos procurando?” perguntei finalmente.
Ele sorriu finamente. “Uma rachadura no sistema. Um técnico cansado. Um crachá defeituoso. Uma caixa sendo levada para Theta. Algo que nos compre trinta segundos de pontos cegos.”
“Trinta segundos,” repeti. “Para pegar Kael.”
“Para encontrar Kael primeiro,” corrigiu Cain. “Depois improvisamos.”
Respirei fundo, deixando queimar pela garganta como fogo controlado.
Não era um campo de batalha.
Era um tabuleiro de jogo.
E nós éramos as peças que não pertenciam.
Mas Cain — Cain sabia como se mover sem ser visto.
Ele não lutava contra a corrente. Ele a dobrava.
E por enquanto, confiaria nele para nos guiar.
Mesmo enquanto o ar ficava mais frio.
Mesmo enquanto outro grito, distante mas cru, ecoava vagamente de algum lugar bem abaixo, meu estômago voltou a se contorcer, mas engoli em seco.
O zumbido das máquinas se desvanecia atrás de nós enquanto diminuíamos o passo perto de uma interseção de corredores largos, marcada com glifos de segurança e painéis espelhados. Cain me cutucou sutilmente, e nós entramos no recesss escurecido de uma alcova de armazenamento meio aberta. Cheirava a cobre e desinfetante.
Ele inclinou a cabeça.
Eu escutei.
Duas vozes chegavam pelo corredor, cortantes e tensas—cientistas, a julgar pelo jargão, pela cadência apressada, pela maneira como ficavam olhando por cima dos ombros enquanto falavam.
“…ele deu a ordem esta manhã. O isolamento da Marca prosseguirá. Não importa que o doador não tenha sido localizado.”
“Isso é insano,” o outro sibilou. “Sem um hospedeiro vivo, a estabilidade de extração cai para menos de nove por cento. Estamos falando de colapso celular, não de contenção.”
“Diga isso ao Rei. Ele não se importa. Está furioso. Disse que se não conseguimos encontrar a garota, nós a replicamos.”
A garota.
Meus pensamentos se aguçaram.
Eles não podiam estar falando de Kael. Ou Felícia. Havia apenas uma “doadora” cuja Marca importaria tanto assim.
Ellen.
A segunda filha de Darius. Aquela que a profecia nomeou. Aquela imune à Catástrofe Lunar—assim como Eve.
Eles não estavam esperando por uma cura.
Estavam colhendo-a.
O que significava que Darius também havia se voltado contra ela.
E agora que ela havia desaparecido… seu rei estava ficando desesperado.
“Unidades Especiais Gamma já foram enviadas,” acrescentou o primeiro homem. “O Rei a quer de volta viva. A marcação falhou naquela noite, mas a marca ainda está ativa. Ela não irá longe. Ninguém pode lutar contra o puxão por muito tempo—não com a marca gravada tão profundamente.”
A marca…
A marca de Rhea.
O vínculo de companheiro.
As palavras se acomodaram como vidro na minha espinha.
Cain murmurou baixo. “Eles estão caçando-a. Como presa.”
Um clangor profundo e vibrante ecoou pelo corredor.
Paralisamos.
Como se fosse uma deixa, a atmosfera do corredor mudou. Como se algo frio passasse por ali.
E então nós os vimos.
Seis figuras em armaduras de obsidiana fosca emergiram do poço do elevador lateral—mais altas que a maioria dos guardas, movimentos perfeitamente sincronizados. Eles não usavam insígnias, nem distintivos. Apenas o brilho característico do brasão da unidade Gamma embutido em suas placas peitorais.
Todos desobstruíram o corredor instantaneamente.
Nenhuma ordem foi dada.
Apenas medo.
Palpável. Denso. Igual ao cheiro de sangue logo antes de um massacre.
Técnicos se apressaram para sair do caminho. Cientistas recuaram com as cabeças abaixadas. Até mesmo os postos de controle de segurança piscavam em verde com antecedência—autoprocessando-os para passar.
Mas não havia nenhuma garota de cabelos ruivos sendo arrastada atrás deles.
Nem sinal de uma prisioneira.
Sem Ellen.
Cain se aproximou. “Você sente isso?”
Eu assenti.
“Antecipação,” eu disse. “Eles esperavam voltar com ela.”
Ele travou o maxilar. “Mas não voltaram.”
O que significava que ela ainda estava lá fora.
Ainda livre.
E eles estavam ficando mais irritados a cada hora.
Afastei-me da borda do corredor, forçando a quietude nos meus ossos.
Porque se eles estavam caçando Ellen—
Era apenas uma questão de tempo até que viessem atrás de Eve.
E se eles a marcaram uma vez…
Tentariam novamente.
A unidade Gamma não apenas marchava—deslizava, como uma lâmina passando pela carne. Cada passo era calculado. Cada canto varrido por sensores de retina embutidos em seus visores.
Mas não foi a precisão deles que chamou minha atenção.
Foi a caixa selada que um deles carregava.
Preta. Reforçada. Coberta por runas biométricas. Sem marcas—exceto por uma luz fraca e pulsante no centro. O tipo de artefato que não se abre com autorização.
Ela a ignora.
Cain notou também. Ele deu um assobio baixo. “Isso não é padrão.”
“Eles estão indo para uma ala restrita,” murmurei, estreitando os olhos.
“E estão carregando a chave.”
O sorriso de Cain era sombrio. “Então vamos entrar.”
Ajustei o colarinho e deixei meu pulso desacelerar até quase parar. Paciência. Precisão. Um movimento errado e todo o complexo iria se trancar.
“Cause uma distração,” eu disse.
Cain levantou uma sobrancelha. “Tem certeza?”
“Eu quero aquela caixa.”
Ele não discutiu.
Ele se moveu.
Com uma velocidade astuta, Cain cortou à esquerda no ponto cego de um técnico, agarrando uma pilha de caixotes e derrubando-os no chão com um estrondo ensurdecedor. Os alarmes não dispararam—mas todas as cabeças no corredor se voltaram. A Gamma na retaguarda latiu algo e o grupo se apertou em uma formação defensiva.
E esse foi o meu momento.
Silenciosamente, deslizei por trás de um dos menores operativos Gamma—apenas um pouco mais baixo do que eu. Um golpe rápido na garganta. Outro no rim. Ele caiu antes que pudesse soar um alerta, e eu o arrastei para as sombras de um nicho de utilidades de baixo nível. Sua armadura chiou enquanto eu a retirava de seu corpo, prendendo-a sobre o meu em segmentos como uma carapaça. O capacete deslizou por último, sincronizando-se com meus sinais vitais após um pulso de sobrecarga agudo do datapad roubado de Cain.
Quando os outros se recuperaram, eu já estava marchando junto com eles.
Ninguém questionou.
Ninguém olhou duas vezes.
Passamos por duas portas seladas—cada uma piscando verde na presença da caixa preta.
Então, na escuridão.
O laboratório do outro lado não era como os outros.
Era frio. Silencioso. O ar parado, como se algo antigo estivesse dormindo ali.
O líder Gamma avançou, colocando a caixa sobre uma mesa de aço diante de um grupo de cientistas esperando—dois homens e uma mulher, todos usando luvas grossas e coberturas biométricas.
O líder Gamma falou. “Só encontramos isso.”
Ele abriu a caixa.
E o silêncio caiu.
Lá dentro estava um braço.
Esbelto. Pálido. Machucado, mas intacto.
Senti a respiração congelar em meus pulmões.
A Gamma o virou.
Esculpido no pulso como uma marca estava um símbolo irregular—um M, rachado ao centro.
A Marca de Malrik.
“Ela o cortou fora,” um dos cientistas sussurrou.
A Gamma assentiu. “Ela estava completamente sincronizada com o vínculo de controle. Mas isso…” Ele tocou o membro cortado, sua voz inescrutável. “Ela está livre agora. A conexão está cortada. É por isso que não conseguimos rastreá-la. É por isso que a marca falhou. Ela queimou o laço—e fugiu.”
A mulher xingou baixinho. “Quanto tempo ela ficou sob o efeito?”
O líder Gamma não respondeu.
Não precisava.
Porque eu sabia.
Tempo demais.
Tempo suficiente para que a fuga significasse mutilação.
Ela não apenas fugiu.
Ela se arrancou.
Literalmente.
Meus punhos se cerraram por dentro das luvas da armadura.
Cain estava certo. Eles não estavam apenas caçando-a como presa—eles a aprisionaram. Marcaram-na. E ela sofreu em silêncio até que sua única opção fosse a amputação.
Eu olhei para a marca—agora rachada e sem vida.
E me perguntei…
Quanto de dor ela suportou antes de escolher destruir seu próprio corpo para recuperar sua vontade?
“A Alcateia Obsidiana pode te-la ajudado,” o líder disse, sua voz tingida de veneno. “O pequeno Príncipe estava seguro? A peça de barganha?”
As faces caíram quando o cientista falou. “Não, mas pegamos o beta. Kael Orlov, a mão direita de Hades.”
O líder riu, “Oh, isso vai ser bom. Estava ansioso por uma boa sessão de extração.”