A Luna Amaldiçoada de Hades - Capítulo 354
Capítulo 354: Reescrito
Hades
O conselho dispersou-se com o silêncio de homens enviados para a guerra. Sem gritos. Sem discussões. Apenas acenos silenciosos, olhos sombrios e o arrastar das botas indo cumprir seus papéis. Silas foi estabilizar as linhas Gama. Gallinti saiu para contatar anciãos regionais.
Cain faria o seu próprio caminho, como sempre fazia.
Kael acompanhou-me. Eve caminhava logo atrás de nós, estranhamente quieta. Eu sentia seu silêncio como um peso pressionando minhas costas, mais perturbador do que se ela tivesse gritado.
O ar fora da câmara não parecia mais leve. Caminhávamos pelos corredores da Torre como fantasmas, os murmúrios de assessores e soldados passando por nós, nenhum corajoso o suficiente para encontrar meu olhar.
Olhei para trás. “Eve.”
Ela piscou surpresa, como se eu tivesse quebrado algum transe. “O quê?”
“O que você está pensando?”
Ela não respondeu imediatamente. Suas sobrancelhas se uniram, lábios ligeiramente abertos, como se não tivesse certeza se as palavras fariam sentido se as dissesse em voz alta. Finalmente, balançou a cabeça. “Isso não é o final,” murmurou. “É o primeiro ato. Eu posso sentir isso.”
Kael resmungou. “É exatamente disso que tenho medo.”
Viramos o corredor para a ala de comunicação.
“Onde está Morrison agora?” Eu perguntei.
Kael tocou seu auricular. “Escondido atrás de uma parede de proxies. Ninguém está atendendo linhas diretas. Subordinados, assistentes, estagiários—todos sumiram.”
“Tente novamente,” eu disse. “Diga que é do próprio Alfa.”
Ele hesitou, mas fez a ligação.
Menos de um minuto depois, ele levantou os olhos. “Alguém atendeu.”
“Quem?”
Ele estremeceu. “A esposa dele.”
As palavras soaram erradas na minha boca antes mesmo de as dizer. Eu não gostava de usá-la. Mas era guerra. E ela era uma porta.
“Coloque-a na linha,” eu ordenei.
A tela holográfica brilhou na vida. Uma mulher apareceu. Cabelo loiro em uma trança suave. Olhos desgastados, inchados de lágrimas. Vestida em cinza civil. Parecia não ter dormido há dias. Ela não parecia em nada com a esposa de um governador.
Ela se endireitou ao me ver, as mãos se fechando fortemente na frente dela.
“Vossa Majestade.”
“Senhora Morrison,” eu disse, com a voz estável. Calma. Mas a mensagem subjacente era clara como cristal. Eu estava falando sério. “Você sabe por que estou ligando.”
“Eu… Eu não tenho certeza,” ela disse calmamente.
Inclinei-me um pouco para frente, não em ameaça—mas em presença. “Deixe-me reformular. Você sabe de algo. E acredito que você quer proteger seus filhos. Então fale claramente e com verdade, e você não precisará me ver novamente.”
Ela estremeceu—mas não pelas palavras. Pelo peso por trás delas.
“Eu não sei de nada,” ela disse rapidamente, a voz trêmula. “Ele veio para casa uma semana atrás. Do nada. Ele estava… diferente.”
Inclinei a cabeça. “Defina diferente.”
Ela olhou para baixo. “Antes… antes, ele mal estava lá. Não podia falar. Não podia comer sozinho. Gritava à noite—conversava com fantasmas. Ele continuava dizendo que um deus estava vindo. Que ele viu isso em seus sonhos.”
“E agora?”
“Agora…” Ela engoliu em seco. “Ele anda com propósito. Fala como um profeta. Ele até sorri, às vezes. É como se algo… o reprogramasse.”
Eve estremeceu, mas eu não sabia por quê.
Deixei o silêncio pairar por um momento.
“Nenhum delta na sua região é capaz desse tipo de cura,” eu disse secamente.
Ela acenou lentamente. “Tentamos todos. Ninguém conseguiu alcançá-lo.”
“Mas alguém conseguiu.”
Lágrimas encheram os olhos dela.
“Eu não vi quem. Eu estava visitando no dia em que aconteceu. O dia…” ela hesitou como se temesse as palavras que ia dizer. “O dia em que a pessoa veio. Ele não me deixou entrar no quarto naquele dia. Disse que tinha que ser feito sozinho. Ele gritou por horas, e então… ele parou. Quando saiu, olhou-me nos olhos. Disse que tudo ia mudar.”
Ela apertou as mãos, a voz falhando. “Eu pensei que fosse um milagre. Mas agora ele está falando sobre deuses e mentiras e vingança, e eu não sei o que fazer. Ele não era assim. Ele era… ele era cruel, sim. Antes. Controlador. Língua afiada. Mas ele não era…” Ela olhou ao redor, como se temesse as próprias paredes. “Ele não era justo. Não assim.”
Uma pausa. Então um sussurro sem fôlego. “É como se ele quase não estivesse mais lá. Como se fosse uma pessoa totalmente nova.”
Kael me lançou um olhar, e eu vi isso refletido no rosto de Eve.
O deus que pode ter sobrevivido, afinal.
A mulher na tela soluçou de repente, apertando as mãos. “Por favor, não machuquem meus filhos por causa disso. Eu não sabia. Juro, eu não sabia que ele iria—”
“Não é sua culpa,” Eve interrompeu gentilmente, avançando. “Como você poderia saber?”
A voz dela era como um bálsamo para o fogo. Calma. Quente. Suave.
Apesar das apostas altas da situação, o anseio emergiu como um tsunami.
A mulher suspirou suavemente. Como se ninguém tivesse falado com ela assim em semanas.
Eve se inclinou perto da tela, suavizando o olhar. “Você disse que não viu o visitante. Mas ouviu algo? Passos? Um sotaque? Um nome?”
A mulher enxugou as bochechas. Pensou. Então assentiu—mas lentamente, com incerteza.
“Eu… eu ouvi algo,” ela disse, a testa franzida como se estivesse alcançando o nevoeiro. “Passos. Lentos. Medidos. Como alguém que não tinha pressa, mas sabia que pertencia ali.”
“Eles falaram?” Eve perguntou gentilmente.
“Acho que sim.” Seu olhar desfocado. “Mas não me lembro das palavras. Apenas o… o ritmo disso. Como um cântico. Mas quando tento lembrar, escapa de mim. Como água entre rachaduras.”
Minha mandíbula se apertou.
“Tente mais forte,” eu disse—não de forma rude, mas também não suavemente.
Ela olhou para mim. “Eu quero. Quero. Mas…”
Ela fechou os olhos. Pressionou os dedos nas têmporas.
“Eu o vi. Sei que sim. Vi seu rosto,” ela sussurrou, a voz se quebrando. “Mas minha mente… está em branco. Como se alguém apagasse a memória. Eu me lembro da porta se abrindo, a luz inundando, e então—”
Ela balançou a cabeça violentamente.
“E então eu estava em casa. Apenas em casa. Meu marido já estava lá, sentado à mesa de jantar. Como se nada tivesse acontecido. Como se eu nunca tivesse saído. Eu estava segurando um copo de água. Minhas mãos tremiam. E eu não sabia por que.”
Uma dor fria floresceu atrás do meu esterno.
Eve recuou ligeiramente, a mão levantando-se até o peito.
Kael praguejou baixinho.
Eu não me movi.
Não podia.
Os olhos da mulher se fixaram nos meus novamente. “Ainda me dá arrepios na pele,” ela sussurrou. “Seja o que for… seja quem for ele… ele olhou nos meus olhos e parecia que algo rastejou para dentro.”
A holotela piscou levemente, mas foi o suficiente para enviar um choque pela base da minha coluna. Não consegui respirar por um momento. Não porque eu não entendesse o que ela estava descrevendo — mas porque eu entendia.
Eu conhecia aquela sensação.
De estar vazio enquanto ainda estava de pé.
De ser reescrito por dentro.
Isso me lembrava Vassir.
Meu olhar piscou para Eve. Ela parecia perdida, sua pele pálida, suas respirações vindo em ofegos curtos.
Minha voz saiu mais áspera do que o pretendido. “Você não se lembra do que aconteceu depois que ele olhou para você?”
O rosto dela se contorceu em algo próximo ao pânico. “Nada. Nem um segundo. Como se eu estivesse… desaparecida.”
O silêncio seguiu sua confissão como névoa rastejando por baixo de uma porta trancada.
A testa de Kael franziu. “Isso não é amnésia. Isso é apagamento.”
A voz de Cain, quieta mas afiada, surgiu por trás. “Um corte limpo. Sem sangue, sem bagunça — apenas desaparecido.”
Eu não respondi.
Não podia.
Porque no fundo das minhas entranhas, eu já sabia o que Eve estava prestes a fazer. Ela avançou, com a voz baixa e cuidadosa, como se estivesse caminhando sobre um fio.
“Senhora Morrison,” ela disse, “qual é o terceiro nome do seu primogênito?”
A mulher piscou. “O que?”
“O terceiro nome dele,” Eve repetiu. “Não o que você o chama. O nome que você sussurrou quando o segurou pela primeira vez. O único que você conhece.”
A Senhora Morrison franziu a testa, seus lábios movendo-se silenciosamente por um momento.
Então ela sorriu levemente. “Isaac.”
“E?”
O sorriso congelou. Seus olhos tilintaram, como se não soubessem para onde focar.
“Eu… Eu não sei,” ela disse lentamente, a voz afinando. “Era algo com um ‘R’… talvez… Reuel? Não. Isso não é. Eu—” Sua respiração enganchou.
Kael se inclinou mais perto do monitor, sua expressão se aguçando. “Não consegue lembrar o nome do seu filho?”
“Não. Não, eu consigo. É só que—” Ela agarrou sua blusa, a confusão se transformando em pânico. “Eu o tinha. Eu o tinha, e agora simplesmente desapareceu.”
O tom de Eve estava mais suave agora, mas não menos urgente. “O aniversário da sua mãe. Você se lembra?”
A Senhora Morrison piscou, os músculos em seu rosto tremendo.
“Eu sei disso. Eu sei que sei.” Sua voz tremeu. “Fizemos bolos de limão naquele dia. Havia luz do sol. Eu lembro dos pratos, do cheiro — mas a data…” Suas mãos começaram a tremer. “Por que não consigo lembrar a data?”
Meu sangue ficou gelado.
A voz de Eve veio mais suave do que um sussurro — mas pousou com a força de uma lâmina.
“Qual era a cor dos olhos do visitante?”
A pergunta atingiu a Senhora Morrison como um golpe.
Ela não respondeu.
A princípio, ela não se moveu de jeito nenhum — apenas ficou sentada, os lábios entreabertos, o olhar escorregando para o lado como se seu cérebro tivesse batido em uma parede.
Então algo mudou.
Sua mão instintivamente se dirigiu para o lado da cabeça, pressionando a têmpora como se estivesse tentando cavar a resposta com as pontas dos dedos.
A testa de Kael franziu. “Senhora?”
Ainda nada.
Então—
“Eu… Eu não…”
Sua voz se quebrou, um tremor de pavor tremendo por baixo dela.
“Eu devia me lembrar. Eu estava na frente dele. Ele olhou direto para mim. Eu vi seu rosto. Seus olhos eram… eles eram…”
Ela se calou novamente.
E eu vi — o momento em que algo se fechou por trás de seu olhar. Como uma cortina puxada sobre uma janela.
“Eu não consigo,” ela arfou. “Eu não consigo vê-los! É como se houvesse uma mancha sobre a memória. Uma borrão que não consigo limpar!”
Eve deu um passo à frente, seu tom mais firme agora. “Respire. Feche os olhos. Não tente se lembrar. Apenas sinta. O que permanece? Que imagem não desaparece, não importa o quão forte você esfregue?”
Senhora Morrison obedeceu, hesitante. Ela fechou os olhos.
Por um longo segundo, a sala prendeu a respiração.
Então seus lábios se entreabriram.
“Não me lembro da cor,” ela sussurrou.
“Mas me lembro das veias.”
Eve congelou. Eu também. Veias?
“Pretas,” Senhora Morrison continuou, sua voz mais distante agora. “Pretas. Entrelaçadas como pernas de aranha. Rastejando logo abaixo da pele ao redor dos olhos dele… como se estivessem vivas. Como se estivessem… me observando. Eu lembro de vermelho.”
Eve sussurrou o nome, mas soou como um suspiro. “Vassir,”