A Luna Amaldiçoada de Hades - Capítulo 332
Capítulo 332: Memórias Como Isca
A luz penetrava lentamente a escuridão, mas a estranheza de tudo isso não cedia nem um pouco. Lentamente, o chão sob meus pés apareceu enquanto eu avançava, sem saber o que esperar, mas temendo tudo da mesma forma.
>Rhea?
Chamei, esperando não estar completamente sozinho neste estranho plano.
>Bem aqui, querido.
Ela assegurou, sua voz era uma âncora de que eu precisava contra a turbulência do medo que se retorcia em minha mente.
Respirei fundo de alívio, meus olhos captando mais cor e luz enquanto o reino se revelava, quase em pixels.
Minha perna tocou carpetes de veludo e por um minuto fiquei paralisado. Eu conhecia os carpetes, conhecia-os bem demais. Deveria ter trazido nostalgia, mas não trouxe.
Vermelho com um leve toque de marrom que dava ao corredor uma aura régia. Esta cena, este lugar não deveria estar em Hades ou no subconsciente do fluxo. Estava apenas no meu. As imagens montadas de ancestrais e nobres. A estante abstrata de prata que nunca fez sentido para mim, o teto bege. Eu estava nas Alturas Lunares, a torre de Darius. Meu antigo lar.
Como? Me perguntei enquanto meu coração trovejante parecia bater em apreensão do que eu poderia encontrar.
Como o fluxo chegou a essa parte de…mim.
Então clicou com uma clareza horrível. Pelo Rito, Hades e eu estávamos interligados. Eu tinha acesso ao corpo e à alma dele e ele também, e agora o fluxo estava usando exatamente o que havia visto contra mim.
A realização caiu como gelo em minhas veias.
O Fluxo não estava usando apenas as memórias de Hades agora.
Estava alcançando através do laço—nas minhas.
E estava construindo algo com isso.
Distorcendo isso.
Uma corrente pesada sussurrou pelo corredor, agitando as cortinas de veludo que emolduravam as janelas do corredor. Elas tremulavam como costumavam, pegas nas ventanias de uma tempestade que ninguém podia ver. Mas isso não era vento.
Era presença.
Movendo-se.
Observando.
Me forcei a seguir em frente, o corredor familiar se estendendo adiante, cada passo um eco relutante. Os retratos pareciam olhar mais fundo do que eu lembrava—não mais contentes em ficarem parados. As estantes de vidro emolduradas em prata brilhavam com mais clareza do que jamais tiveram em vida, capturando reflexos que não pertenciam a mim.
> “Não é real,” sussurrei.
Mas parecia real.
Demasiadamente real.
Rhea rosnou baixo em minha mente, um aviso mais do que um protesto.
> “Você deve sair deste lugar, Eve. Não é mais seu.”
“Eu não vim aqui,” murmurei, virando uma esquina. “Ele me arrastou para dentro.”
E assim que eu disse—
Eu vi a porta.
Meu antigo quarto.
Levemente entreaberto.
Minha respiração ficou presa.
O carpete ficou opaco sob os pés, como se a idade finalmente o tivesse tocado. As luzes acima piscavam. O cheiro também mudou—não mais acolhedor, mas enjoativamente doce. Como rosas murchas deixadas em um quarto fechado por muito tempo.
Eu empurrei a porta para abrir.
As dobradiças rangiam levemente—demasiadamente levemente. Como se o som estivesse imitando memória, não realidade. Dentro, as paredes brilhavam com um tom dourado suave, as cortinas um lilás suave que captava a última luz de um pôr do sol que não existia.
E lá estava ela.
Ellen.
Sentada diante da penteadeira, escovando o cabelo com gestos preguiçosos e praticados. Seus cachos negros brilhavam, presos por uma presilha de crescente prateado que eu havia dado a ela. Aquela que ela disse que era muito “sentimental” para o uso diário.
Mas ela estava usando agora.
Seu rosto irradiava juventude—intocado pela traição. Olhos brilhantes, lábios brilhantes. Ela parecia exatamente como há cinco anos, pouco antes de tudo se despedaçar.
> “Você está atrasada,” ela disse, sem se virar. “Vamos brilhar esta noite, Eve.”
Sua voz era leve. Juvenil.
Minha respiração ficou presa.
Porque agora eu sabia o que “brilhar” significava. Não era uma estreia. Não uma celebração.
Um sacrifício.
Uma armadilha.
> “Você planejou isso,” eu sussurrei, a dor na minha garganta crua e fresca.
Ela se virou para mim, ainda sorrindo. Mas seus olhos… não combinavam com o contorno de sua boca.
Eles estavam vazios.
Um fantoche repetindo um ciclo.
No entanto, algo estava errado.
Ela parou a mão direita, que passava pelos cabelos, no meio do ar — e foi então que eu vi.
Uma marca.
Uma leve marca gravada debaixo do pulso, logo acima da pulsação.
Em forma de M.
Afiada, quase serrilhada. Familiar.
Não, não familiar — conhecida.
Era o mesmo símbolo que eu tinha visto queimado no braço do selvagem que havia levado Elliot. Aquele que eu matei antes que pudesse fugir. A marca que eu não tinha entendido até agora.
A imagem pulsava — falhava — e a sala inteira brilhava, como calor subindo do asfalto.
Então, tudo mudou.
A penteadeira havia sumido.
E Ellen também.
Agora, eu estava no salão de banquetes.
Luzes piscavam dos candelabros de vidro sobre nossas cabeças. Longas mesas cobertas de prata e azul pálido alinhavam a sala. Lobos e nobres dançavam. Riam. Brindavam.
E eu estava entre eles — congelado.
Porque eu sabia o que vinha a seguir.
Era nosso aniversário de 18 anos.
O dia em que o mundo nos celebrava.
O dia em que o mundo terminou.
Eu me virei para a plataforma. Ellen estava lá em seu vestido — branco, bordado com rendas lunares. Ela sorria para a multidão, radiante. Então, ela se virou para me olhar.
Aquele mesmo sorriso.
O mesmo brilho nos olhos.
E então —
Ela deu um tranco para frente.
Curvando-se.
A sala se calou.
Um som agudo e molhado quebrou o silêncio enquanto o sangue jorrava em seu corpete.
Ela vomitou vermelho.
Escuro.
Antinatural.
Ouvi alguém gritar.
O primeiro grito.
Eu me virei, o coração disparado, a visão se estreitando — e vi eu mesmo.
Na beira do salão.
Caindo de joelhos.
Apertando minha cabeça.
E então eu me transformei.
Não em um lobo.
Não em nada que pertencia a este mundo.
Minha pele se rasgou.
Meus ossos estalaram.
E a fera que explodiu da minha forma tinha olhos vermelhos — escancarados, animalescos, antigos e famintos.
A sala explodiu em caos.
Pessoas corriam. Prata tilintava. Alguns tentavam se transformar. Outros se encolhiam. As luzes acima explodiam uma a uma enquanto eu — ela — a fera, saltava da plataforma.
Sangue.
Tanto sangue.
> “Pare com isso!” Eu gritei, minha voz ecoando através da visão. “Não é real! Já aconteceu!”
Mas continuava acontecendo.
De novo e de novo.
Os gritos. O caos. A traição.
A voz de Rhea rompeu o barulho como um trovão.
> “Já não é mais uma memória, Eve. É uma isca.”
E foi aí que eu senti isso.
Uma presença atrás de mim.
Observando.
Alimentando-se.
Eu me virei lentamente.
Eu me virei lentamente.
Mas não era Vassir.
Não exatamente.
A visão havia mudado novamente.
Agora eu estava no Laboratório de Obsidiana—frio, metálico, vibrando com a luz fluorescente e o cheiro antisséptico de crueldade esterilizada. As paredes eram de vidro, manchadas de sangue. O chão estava cheio de instrumentos quebrados e frascos. Eu conhecia este lugar. Bem demais.
O laboratório
Kael estava fora do chão.
E na frente dele…
Hades.
Ou o que o usava.
Veias negras rastejavam pela sua pele como vinhas famintas por luz. Sua boca se curvou, lábios pálidos, olhos quase desaparecidos—todo sangue e sombra, o Fluxo pulsando nas costuras. As asas estavam estendidas, garras apertadas em volta da garganta de Kael.
Os olhos de Kael se arregalaram.
Ele não estava lutando.
Ele não estava gritando.
Apenas olhando para mim.
Implorando.
Meu eu do passado—estúpido e tremendo—estava diante deles com o frasco final. As últimas doses da Veia do Vassir. O frasco que poderia acabar com isso—ou arruinar tudo.
E me lembrei do que tinha feito.
O que escolhi.
Eu havia gritado. Chorado. Implorado. Mas no final—
Eu salvei Kael.
Injetei o fluxo.
Condenei Hades.
> “E lá está,” a voz de Vassir enrolou-se na minha mente como fumaça serpenteando por uma janela rachada. “Aquele momento bonitinho no qual você decidiu.”
Olhei para minhas próprias mãos—agora vazias, tremendo mesmo na ilusão.
> “Você adora dizer que veio aqui para salvá-lo. Mas escolheu outra pessoa, não é?”
A cena se congelou.
Kael no chão. Hades no meio de um rosnado. Meu próprio rosto torcido em horror e decisão. A agulha a apenas centímetros da carne.
> “Diga-me, Eve,” ele cantou, tom como veludo rasgado. “Você amava Hades então? Ou Kael era apenas… mais fácil?”
Eu balancei a cabeça. “Pare.”
> “Você o injetou porque tinha medo do que ele se tornaria—”
> “Pare—”
> “—ou porque, no fundo, você já acreditava que ele estava perdido demais?”
“Não!”
Minha voz quebrou o silêncio, ricocheteando na ilusão como uma bala.
Mas não quebrou.
Apenas mudou novamente.
A luz piscou e a cena se deformou como uma tela derretendo—cores deslizando, o chão se transformando em vidro sob meus pés.
E de repente—
Eu estava do lado de fora.
Na luz do sol.
Brilhante.
Brilhante demais.
As ruínas de algum campo de batalha se estendiam ao meu redor. Árvores queimadas. Terra enegrecida. E ali—
E de repente—
Metais pesados prenderam-se ao redor do meu pescoço.
Não é metáfora. Não é magia.
Correntes.
Eu me ajoelhava diante de uma multidão que se estendia além do que eu podia compreender.
Centenas.
Milhares.
Fileiras e mais fileiras de rostos solenes, envoltos em luto e justiça, julgamento e reverência.
Armaduras de obsidiana brilhavam ao sol, lanças erguidas para o céu, imóveis.
Eu não conseguia falar.
Mal conseguia respirar.
O ar estava carregado de história.
O céu sangrava com a cor do crepúsculo—violeta profundo entrelaçado com laranja como o último suspiro de um mundo que viu demais, perdoou de menos.
Uma plataforma sagrada erguia-se diante de mim, esculpida com runas que eu reconhecia até nos ossos.
Minhas mãos estavam amarradas atrás de mim. Eu conhecia este lugar.
Eu nunca estive aqui.
Mas Elysia esteve.
Esta era a execução dela.
E agora eu vestia sua memória como um vestido de funeral.
Um silêncio caiu sobre a multidão.
Correntes chacoalharam atrás de mim.
E eu me virei.
Ele foi arrastado por seis guardas—não, não guardas. Sacerdotes. Mergulhados em sigilos lunares, seus olhos escondidos sob véus. Eles o arrastaram até os joelhos ao meu lado.
Rasgado.
Sangrento.
Descalço.
Um homem.
Não—
Um vampiro.
Vassir.
Mas seu rosto…
Seu rosto era de Hades.
Não quase.
Não semelhante.
Exatamente.
Eu não conseguia respirar.
Seus olhos encontraram os meus—selvagens, quebrados, suplicantes.
E por um segundo, apenas um segundo, tudo dentro de mim gritou.
Porque não era apenas ilusão.
Era memória.
Era real.
Aconteceu.
O passado se dobrando no presente como uma faca se dobrando na pele.
Estávamos de volta ao passado. O dia em que fomos executados, antes da queda da lua.