Capítulo 309: Eu Não Sou Ela
Eve
Eu os observei carregarem os pertences de Elliot enquanto ele estava sentado no meu quadril. Ele se recusava a me deixar sair de sua visão desde que acordou. Eu o alimentei, e ele me alimentou—da melhor forma que pôde.
Meus olhos seguiam os novos itens que foram trazidos para ele por Hades quando ficou decidido que ele ficaria comigo. Pena que novos itens não significavam novos começos.
Pena que brinquedos não podiam apagar o trauma.
Pena que um suéter novo em folha não podia aquecer a alma de uma criança onde ela já havia esfriado de medo.
A mochila estava cheia de roupas cuidadosamente dobradas, livros que ele não lia, quebra-cabeças com peças faltando—assim como ele. Assim como eu.
Os dedinhos de Elliot agarraram o tecido do meu top com mais força, como se pressentisse a direção dos meus pensamentos.
“É só por um tempo,” eu sussurrei, beijando sua têmpora. “Ninguém vai te levar para lugar nenhum.”
Ele não respondeu com palavras. Apenas assentiu—pequeno, solene—com o rosto meio escondido contra meu pescoço.
Não houve birra. Não houve choro. Foi essa parte que me quebrou.
Ele tinha aprendido bem demais que o silêncio era mais seguro do que o som.
E eu… Eu odiava que ele tivesse que aprender isso.
Uma batida suave veio no batente da porta. Hades entrou e Elliot não precisou se virar para se preparar como se estivesse esperando uma explosão.
“Achei que estava combinado que você sairia enquanto eu pegava as coisas dele?” Instintivamente segurando-o mais firme contra mim.
Os lábios de Hades estavam cerrados numa linha dura, mandíbula apertada enquanto ele marchava em minha direção sem dizer uma palavra.
Só quando dei um passo para trás, ele parou. Ele ainda emanava morte e decadência, a pele tão pálida que eu tinha certeza de que se o sol brilhasse sobre ele, ele seria translúcido.
Hades não falou de imediato.
Ele apenas ficou lá—imóvel como uma estátua, tenso como um fio enrolado. Seus punhos estavam cerrados ao lado do corpo, unhas marcando luas crescentes nas palmas como se estivesse tentando manter algo enjaulado. Talvez fosse o Fluxo. Talvez fosse ele mesmo.
“Eu quero pedir desculpas a ele,” ele disse finalmente, a voz baixa, rouca—como se arranhasse sua garganta ao sair.
Elliot choramingou contra minha clavícula, o corpo se travando.
“Hades—” eu comecei, mas ele levantou a mão.
“Não posso fazê-lo me perdoar,” ele disse rapidamente, olhos piscando entre mim e o menino trêmulo em meus braços. “Eu não espero por isso. Não mereço isso. Mas ele merece ouvir. Mesmo que ele nunca mais queira me ver.”
Eu procurei em seu rosto. Não havia arrogância ali. Nem um resquício de comando. Apenas um tipo de desespero exausto.
Olhei para Elliot, ainda encolhido em mim como uma sombra. “Ei,” eu sussurrei, fazendo círculos suaves em suas costas. “Você pode olhar para mim?”
Demorou um pouco, mas ele olhou. Apenas um pouco.
Eu sorri, pequeno e suave. “Ele quer pedir desculpas. Só isso. Ele não virá perto, a menos que você queira. Você pode ficar bem aqui comigo. Eu não vou soltar.”
Elliot não fez nenhum sinal. Mas depois de um momento, ele deu o menor dos acenos. Apenas um movimento. Mas um sim.
Eu me virei de volta para Hades. “Mantenha distância. Fale de lá.”
Hades assentiu uma vez. Sua mandíbula tremeu, mas ele não deu um passo à frente. Sua voz, quando veio novamente, rachou sob o peso da culpa.
“Elliot… eu não sei se você pode entender como estou arrependido. Por tudo.” Ele engoliu em seco, o movimento trêmulo. “Eu não era eu mesmo. Mas isso não é desculpa. Eu deixei algo dentro de mim machucar a pessoa que jurei proteger. Que eu deveria proteger.”
Ele exalou, e o som estava quebrado. “Você nunca foi um erro. Nunca algo que eu desejei que sumisse. Você era—é—meu filho. E eu não o vi. Vi meus próprios fracassos e deixei que falassem mais alto do que sua voz.”
Elliot não se moveu. Mas ele estava ouvindo. Eu senti isso na forma de sua respiração havia mudado—rasa, mas presente.
Sua voz caiu para um sussurro. “Eu te amo. Isso não mudou. Nunca mudará.”
Esperei por uma resposta de Elliot. Ele não respondeu. Apenas virou o rosto e o escondeu novamente no meu ombro.
Hades assentiu como se essa fosse a resposta que esperava.
Então ele se virou, os ombros caídos sob o peso do que ele não tinha conseguido consertar. “Isso seria tão simples.” Sua voz mudou, o tom caiu tão baixo que senti a reverberação no meu estômago. Meu coração deu um solavanco no peito.
O Fluxo.
Assim que outro trabalhador passou para outra rodada de itens, eu tentei sair com Elliot, ou pelo menos tentei…
Sua mão estalou e prendeu meu pulso.
“Elysia…”
O som disso—como ele disse—fez meu estômago virar. Não era Hades. Não o homem que eu já amei, não a coisa quebrada que acabara de implorar perdão ao nosso filho.
Era o Fluxo.
Seus olhos estavam muito escuros agora. Muito vazios. Como se algo antigo e pútrido tivesse empurrado Hades de lado novamente, deslizando para o espaço atrás de suas costelas.
“Você continua se agarrando ao menino como se ele fosse a chave para sua redenção,” dizia através de sua boca. “Mas ele não é. Ele é a corrente. A razão pela qual perdemos tudo. Ele só vai nos segurar.”
Meu sangue gelou.
“Deixe-o ir, Elysia,” o Fluxo sussurrou. “Ainda podemos ser inteiros. Ainda podemos recuperar o que nos foi tirado há séculos. Nosso amor. Nosso reino. Nossa vingança. Mas não com ele entre nós.”
Elliot estremeceu violentamente em meus braços.
“Coisa vil,” eu murmurei, minha voz tremendo — não de medo, mas de fúria. “Você ousa falar assim? Sobre uma criança? Sua criança?”
Seu aperto em meu pulso se intensificou.
“Ele é um erro,” o Fluxo rosnou. “Um lembrete do que foi roubado. Do que você entregou. Esta vida — esta existência fraca e quebrada — não é nossa. Ele não é nosso. Mas você… você ainda é.”
As palavras atingiram-me como podridão infiltrando-se em meus ossos.
Elliot choramingou contra meu peito, suas pequenas mãos agarrando-me, seu corpo inteiro tremendo enquanto sentia cada sílaba vil. Ele não precisava entender as palavras. Seu coração sabia.
E aquilo—
Aquilo foi tudo.
Crack.
Minha mão voou antes que eu pudesse detê-la.
O tapa soou no ar como um raio abrindo o céu.
Hades cambaleou, sua cabeça virou para o lado, um traço de vermelho florescendo na concha de sua orelha. Sangue.
Ele piscou, atordoado — mas não porque eu o havia atingido.
Porque alguém tinha.
Alguém que não era Elysia.
“Eu não sou ela,” eu rosnei, minha voz tremendo de raiva. “Eu não sou sua deusa. Eu não sou sua fantasia. E eu com certeza não sou sua segunda chance no qualquer cruzada louca que você inventou nesse seu coração corrompido.”
Ele me encarou — não mais divino, não mais monstruoso. Apenas um homem sangrando da orelha, perdido nos destroços do que ele havia se tornado.
“Você quer me arrastar de volta para alguma guerra antiga que já perdemos? Para um amor que morreu com cada criança que nunca conseguiu vivê-lo?” Eu balancei a cabeça, embalando Elliot mais apertado. “Essa história acabou. Está acabada há séculos.”
Seus lábios se entreabriram ligeiramente, mas nenhum som saiu.
“Você não vai reescrevê-la agora. E você não pode falar sobre ele assim,” eu cuspi. “Você não pode se chamar de nada além do que você é — um covarde. Que deixou uma criança pagar por sua raiva.”
Elliot me olhou com seus cílios molhados, olhos arregalados de algo que eu não sabia nomear. Alívio. Dor. Talvez os dois.
Eu virei minhas costas para Hades — para o Fluxo — e caminhei em direção à porta.
“Estou farta de deixar você envenenar o que resta da minha vida,” eu disse por cima do ombro. “E se você alguma vez tentar alcançá-lo novamente…”
Eu pausei, virei apenas o suficiente para encontrar seu olhar — o que restava de Hades por trás da tempestade do Fluxo — e deixei minha voz cair em uma promessa.
“Eu vou te vencer. Mesmo que isso signifique destruir o recipiente que você agora habita.”
Aquilo o silenciou.
Como um fio puxado tenso. Como se a própria morte tivesse sido nomeada e desafiada.
Seus olhos se arregalaram — não mais completamente Hades, não mais completamente o Fluxo. Apenas uma fusão de horror e descrença.
“Você não faria,” ele sibilou. “Você o ama.”
“Eu amava,” eu disse friamente. “E talvez parte de mim sempre ame. Mas se você me fizer escolher, eu não vou hesitar.”
O silêncio se estendeu longo e frágil.
Então, mais suave que um sopro, ele sussurrou, “Elysia…”
Mas eu não tremi desta vez. Eu dei um passo adiante, voz afiada como uma lâmina.
“Esse não é meu nome.”
Eu disse devagar.
“Elysia está morta.”
Ele parecia ter levado outro tapa — só que desta vez, não por uma mão, mas pela verdade.
“O tempo dela acabou. Seu reino se foi. Seus deuses são pó. E se você acha que pode ressuscitá-la através de mim, está enganado.” Eu me virei completamente agora, de pé na frente da porta com Elliot envolvido apertado em meus braços. “Eu sou Eve. Se você amou Elysia tanto quanto seu coração negro pode suportar, …você aceitará que ela se foi. Que eu não sou ela, e eu não quero o que ela teve. Nem seu trono. Nem suas tragédias. E certamente não você.”